Um estudo norte-americano publicado no Journal of Interpersonal Violence e realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, concluiu que os consumidores de prostituição eram mais propensos a admitir que tinham estuprado ou cometido outras formas de agressão sexual contra mulheres anteriormente. Os autores da pesquisa dizem que esses homens têm preferência por relações sexuais impessoais, além de apresentarem medo da rejeição feminina e uma autoidentificação masculina hostil. Existe uma falta de empatia com as prostitutas, que pode estar relacionada com comportamentos mais violentos. Esse não é o primeiro estudo que detecta uma relação entre sexo pago e misoginia.
A pesquisa é polêmica, e muitos homens ficaram indignados com os resultados. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que ninguém está afirmando que um homem que paga ou que já tenha pagado por sexo seja necessariamente um estuprador ou um agressor de mulheres. Obviamente que não se trata disso. O que os pesquisadores notaram é que esses homens buscam relações sexuais sem qualquer vínculo afetivo ou emocional. E não estamos falando de sentimentos românticos, mas simplesmente de fazer sexo com outra pessoa, vista como um ser humano igual. Ao pagar pelo sexo, a prostituta se transforma em objeto sexual, que exerce a função de satisfazer o cliente – sem vontades, desejos, opiniões.
Particularmente, acredito que o sexo pago contribui – e muito – para a misoginia. Quem nunca ouviu terríveis frases, do tipo: “pagar prostituta é mais barato que casar”? Ou: “pelo menos, a prostituta não fica me azucrinando depois do sexo”. “Eu pago e vou embora. Não preciso ligar no dia seguinte”…e por aí, vai. Essas falas deixam transparecer uma visão da mulher apenas como objeto sexual. E ainda outra ideia antiga de que as mulheres não gostam realmente de sexo, mas apenas o fazem por algum tipo de interesse, como se fosse uma barganha com o homem – sexo “dado” em troca de casamento, dinheiro, amor, estabilidade, poder, etc. E aquelas que buscam o sexo por prazer seriam as exceções, as devassas, as ninfomaníacas, as putas…
Todos esses pensamentos vêm de longa data. A sexualidade feminina sempre foi considerada perigosa. O prazer e atração que nossos corpos inspiravam, somados à capacidade de gerar filhos, proporcionavam um poder que precisava ser controlado. A Igreja logo tratou de normatizar o sexo, associando o prazer feminino ao pecado. No século XIX, a medicina se aliou à religião para vigiar a nossa intimidade. Os estudos sobre doenças mentais definiram o bom e mau comportamento sexual. “Médicos importantes examinavam mulheres cujas infidelidades ou amores múltiplos se distanciavam da ordem e da higiene desejada pela ordem burguesa que se instalara nos centros urbanos”, nos conta Mary del Priore, em “Histórias Íntimas”.
Segundo a historiadora, a mulher tinha que ser naturalmente submissa e doce. “As que revelassem atributos opostos seriam consideradas seres antinaturais. Partia-se do princípio que, graças à natureza feminina, o instinto materno anulava o instinto sexual e, consequentemente, aquela que sentisse desejo ou prazer sexual seria inevitavelmente, anormal”, completa. Ou seja, a sexualidade fazia parte de uma série de características que definiam a mulher “boa e direita”. Agressividade, dentro e fora da alcova, era vista como desequilíbrio, sinal de histeria ou até pior, de ninfomania.
Tudo isso nos levou a uma visão ambígua da prostituição, que permanece até os dias de hoje. “Na tradição cristã que vinha desde os tempos da Colônia, a prostituta estava associada à sujeira, ao fedor, à doença, ao corpo putrefato. Este sistema de correlação estruturava a sua imagem; ele desenhava o destino da mulher votada à miséria e à morte precoce. Este retrato colaborava para estigmatizar como venal, tudo o que a sexualidade feminina tivesse de livre. Ou de orgíaco. (…) Ameaça para os homens e mau exemplo para as esposas, a prostituta agia por dinheiro. E por dinheiro, colocavam em perigo as grandes fortunas, a honra das famílias”, destaca Mary.
Desprezadas, porém, importantes para o bom funcionamento da sociedade, as meretrizes eram vistas como um mal necessário por Santo Agostinho, que as considerava úteis para que os homens evitassem os pecados “mais graves”. Dizia: “São as prostitutas, numa cidade, a mesma coisa que uma cloaca num palácio: suprimi a cloaca de um palácio torna-se-á um lugar sujo e infecto”.
Voltemos aos tempos atuais. Muitos dizem que a prostituição é apenas uma troca: o cliente quer o sexo e a prostituta quer o dinheiro. Uma transação comercial, como tantas outras. Pode ser. Mas não há como negar a carga negativa que a prostituição traz ao longo da História. E que nesse “simples” acordo comercial existem muitos outros fatores implícitos. Segundo a pesquisa, os homens que pagam por sexo consideram as prostitutas intrinsecamente diferentes das outras mulheres. Vários entrevistados as comparavam a “commodities” ou a “um copo de café que você joga no lixo depois de usar”. Acredito que a falta de empatia, o desprezo e a visão de que a mulher é inferior estão nas raízes da violência contra o gênero feminino. Portanto, não há como não enxergar as similaridades entre o comportamento dos agressores e dos homens que fazem uso da prostituição.
Os autores do estudo também acrescentam que muitos especialistas, hoje, encaram a prostituição como uma forma de abuso sexual. Você concorda?
-Texto de Márcia Pinna Raspanti.
“A Ruiva”, de Henri de Toulouse-Lautrec.
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