Por Mary del Priore.
Curso de pós graduação: a aluna, jovem professora e mãe de uma adolescente, diagnostica: “as mulheres passaram da liberdade à libertinagem”. Na sala de aula, críticas pipocam sobre os pais das peladonas do Playboy que vão aplaudir as filhas quando do lançamento das revistas. Não… não ensino em escola religiosa. Trata-se, apenas da reação de uma parcela da população feminina frente às mudanças aceleradas que, para muitas, “coisificam” a brasileira. Basta passar debaixo de um dos quiosques que oferecem mulheres-fruta, celebridades e funkeiras em posições ginecológicas para entendermos sua indignação. Mudaram as mulheres, mudou a sociedade.
Nos anos 80, o presidente Figueiredo em rede nacional e horário nobre fez um discurso solene sobre a escalada do obsceno no país. Retorno autoritário da censura? Não. Muitos veículos de comunicação endossaram: com a “abertura”, a pornografia foi despejada aos montes nos lares brasileiros. As revistas que cobriam o Carnaval, exibiam fotos de sexo explícito. As pornográficas, vendidas em sex-shops no exterior, eram grosseiramente expostas em qualquer banca de jornal. Os jornais multiplicavam os anúncios de casas de massagens. Das salas privadas, a pornochanchada tinha migrado para a TV. A carga sexual dos anúncios entrou na mira das autoridades, levando o ministro Abi-Ackel a protestar contra um anúncio de cuecas que exibia protuberâncias! Reação? Em São Paulo, nasceu o primeiro movimento organizado contra o relaxamento dos costumes no vídeo: o das Senhoras de Santana.
Na internet, se multiplicam do blogs no modelo do Cem homens, em que as autoras relatam suas aventuras sexuais com parceiros diferentes. Há anos, a pastora Sarah Sheeva reúne milhares de mulheres, “num complô contra o espírito da cachorrice”. Filha de Baby Consuelo e Pepeu Gomes, ex-ninfomaniaca, Sarah Sheeva prega a castidade e o controle dos desejos carnais entre evangélicas. A “missionária da abstinência” ataca o estilo vulgar das periguetes, cachorras e cia. E não é a única. Ao dizer “não” ao sexo precoce, ao beijo na boca, à roupa colante, pregadores oferecem uma contrapartida para aquelas que não aderiram à coisificação. A ideia é transformar as mulheres em “princesas” garantindo o respeito e a dignidade. E como prêmio, terão o amor. Com a fórmula, o conto de fadas do “felizes para sempre” parece poder se concretizar.
O que está por trás disso? “Dando ou não dando”, a brasileira continua a construir sua identidade através do olhar do homem: do macho ou do príncipe. É ele quem escolhe a liberta ou a libertina. As que transformam o corpo apenas num mecanismo de proezas sexuais têm que lidar com consequências, nem sempre desejadas: gravidez, DSTs, solidão quando o corpo não dá mais. Na outra ponta, como demonstra Sarah Sheeva, a tradição não é opressiva. Para muitas, a liberdade sexual é um fardo e elas têm nostalgia da velha linguagem do amor, feita de prudência, tal como viveram seus avós. A pergunta que fica é: quando vamos ser nós mesmas, sem pensar em como ou quanto os homens nos desejam? Sem ter que escolher entre ser santa ou p…?
Santa Cecília, de Jacques Blanchard. Acima, Valesca Popozuda.
O que seria o “ser nós mesmas”?
Oi, Evandro. O texto fala sobre os papéis que são impostos às mulheres- muitas vezes, por elas mesmas. A emancipação feminina não precisa passar necessariamente pela aprovação masculina. Ou seja, ninguém deveria ter que escolher ser santa ou prostituta, cada um deve tomar suas próprias decisões.