Por Natania Nogueira.
Nascida no ano de 1911, em Monongahela, Pensilvânia, Jackie Ormes é considerada a primeira mulher negra a publicar suas tiras em jornais, nos Estados Unidos. Depois de se formar, em 1930, pela Monongahela High School, em Pittsburgh, Ormes trabalhou como repórter freelance e revisora para o Pittsburgh Courier, um jornal semanal afro-americano que saía todo sábado.
Foi no Pittsburgh Courier, em 1937, que publicou sua primeira tira de quadrinhos, Torchy Brown in “Dixie Harlem”, que conta a história de uma jovem negra do Mississipi que busca por novas oportunidades nas metrópoles do norte. Com humor, as peripécias da moça eram uma forma de refletir sobre as dificuldades enfrentadas por quem sai do Sul em busca de novas oportunidades no Norte. Chegou-se a um total de doze tiras, publicadas em 1937 e 1938, no Pittsburgh Courier. Torchy representa a primeira personagem negra independente. Ormes investiu em um gênero que vinha fazendo sucesso e que atraía o leitor do sexo feminino, a girl strip, tiras de garotas ou ainda história de garota.
Segundo Trina Robbins, apenas três afro-americanos cartunistas conseguiram quebrar a barreira da cor nos quadrinhos durante toda a primeira metade do século XX, e todos eram homens. Para ela, Jackie Ormes, uma mulher afro-americana, não iria tentar vender seus quadrinhos em um jornal para brancos. Daí a escolha de um jornal destinado ao público negro, o que a livrava da barreira da cor, mas ainda corria o risco de ser recusada por ser mulher, o que não aconteceu. Torchy Brown in “Dixie Harlem” estreou em um jornal para negros e foi distribuída para mais outros quatorze jornais, também para negros, espalhados por todo o país.
Em 1945, lançou outra personagem, que apareceu em algumas tiras, de quadro único (painel), publicada durante quatro meses: Candy, uma empregada doméstica sexy e atrevida que está sempre fazendo observações astutas sobre seus patrões e sobre a sociedade de um modo geral.
Ainda em 1945, lançou uma tirinha, também de quadro único (painel), chamada Patty-Jo ‘n’ Ginger. Ginger era uma mulher jovem, elegante e de corpo escultural, sempre às voltas com as travessuras de sua irmã caçula Patty-Jo. A cada semana, Patty-Jo emitia algum tipo de comentário referente a uma situação polêmica. A personagem acabou se tornando, também, um sucesso de vendas nas lojas infantis.
Transformada em boneca, Patty-Jo foi produzida entre os anos de 1947 e 1949. A boneca era dedicada às meninas afro-americanas, uma forma que Ormes encontrou de levar às meninas negras um brinquedo com o qual pudessem se identificar. Segundo Nancy Goldstein, a boneca representou uma importante referência para essas crianças e suas famílias, um marco na história do negro nos Estados Unidos.
Em 1950, Jackie Ormes lança a série “Touchy Brown Heartbeats”, em cores, publicada no Chicago Defender, até 1954. Ormes, na verdade, reinventou Torchy transformando-a numa heroína bem diferente da menina ingênua que se migra do sul para viver em Nova York. A nova Torchy é uma enfermeira e tem um relacionamento romântico com um jovem médico, Paul Hammond, com quem emplaca uma luta contra o racismo e a poluição ambiental em uma cidade chamada “Southville”. É uma história de aventura e romance e envolve, ao mesmo tempo, um trabalho pedagógico de conscientização contra os problemas que atingem os Estados Unidos e o mundo, como a segregação racial, política externa dos EUA, democratização da educação, bomba atômica e poluição ambiental.
Com essa personagem, Ormes apresentou a imagem de uma mulher negra que contrasta com as representações estereotipadas da mídia contemporânea. Torchy é confiante, inteligente e corajosa. Uma mulher que se recusa a representar um papel subalterno na sociedade e que não tem medo de lutar pelo que acredita.
Mulheres como Ormes foram fundamentais para o movimento feminista no século XX. Mais do que isso, o feminismo negro tornou-se uma manifestação de repúdio ao preconceito, que atingia duplamente as mulheres negras, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.
As escritoras, jornalistas e quadrinistas tiveram um papel fundamental na expansão e nas conquistas femininas ao longo do século XX. O legado de Ormes pode ser encontrado na The Ormes Society, uma organização dedicada a apoiar mulheres afro-americanas que criam histórias em quadrinhos e que promovem a diversidade dentro da indústria e entre os leitores.
Texto adaptado do artigo:
Jackie Ormes: a ousadia e o talento da mulher negra nos quadrinhos norte-americanos (1937-1954), publicado na revista identidade!, Vol. 18, No 1 (2013), disponível em: http://periodicos.est.edu.br/index.php/identidade/article/view/649
Jackie Ormes: a primeira mulher negra a publicar suas tiras em jornais.