Para além do “corpinho” e de cintas, o corpo começava a se soltar no início do século XX. O famoso costureiro francês Paul Poiret rompia com o modelo de ancas majestosas e seios pesados para substituí-lo por outro. Teve início a moda da mulher magra. Não foi apenas uma moda, mas também o desabrochar de uma mística da magreza, uma mitologia da linha, uma obsessão pelo emagrecimento; tudo isso temperado pelo uso de roupas fusiformes. Da Europa, de onde vinham todas as modas, a entrada da mulher no mundo do exercício físico, do exercício sobre bicicletas, nas quadras de tênis, em piscinas e praias trouxe também a aprovação de corpos esbeltos, leves e delicados. Tinha início a perseguição ao chamado enbompoint – os quilinhos a mais –, mesmo que discreta. O estilo “tubo” valorizava curvas graciosas e bem lançadas.
Carolina Nabuco dá sua visão do que eram as normas:
“Em moça, eu nunca ouvira falar em banho de sol. Não se admiravam as peles tostadas e, por isso, todas evitavam queimar-se. Também não era moda usar vidros escuros contra a excessiva claridade. Qualquer tipo de óculos era julgado desfigurante e posto de lado como apanágio das vovós e dos míopes. Nenhuma moça pensava em se enfear usando os que existiam então, sempre de vidro claro, com armação de metal. Nossa defesa contra o sol eram apenas as sombrinhas. Eu gostava especialmente de uma vermelha, porque roseava minha palidez e queixe me servia de cosmético num tempo em que não se admitia rosto pintado”.
Bonita ou feia, Carolina?
“Ninguém me dizia se eu era bonita ou feia. Talvez não soubessem mesmo, ou não pudessem julgar, pois a visão dos velhos sobre a geração de seus netos é alterada por uma névoa de encantamento… produzida pela mocidade. Lembro-me,por exemplo, de ter estranhado meu pai – que devia ser infalível em tudo – cometer um erro desse gênero, dizendo a uma senhora que ela parecia irmã de sua filha. Ouvi também esse tolo clichê aplicado a mim e à mamãe, nos meus dezessete anos, por um embaixador de barba branca. Soou aos meus ouvidos como o absurdo dos absurdos, ainda mais porque mamãe, nesse tempo, já começara a ganhar peso. Eu percebia bem a boa fé que havia nesses desacertos.Mais de uma vez, por exemplo, ouvi pessoas de idade dizer à minha mãe com aparente sinceridade, que ela não era gorda. Na minha idade de então, que só admitia talhes de sílfide, ignorar o alargamento da cintura com o passar dos anos parecia um erro grosseiro”.
Alguns médicos se rebelavam contra a moda de tendência masculina, que associavam a ideias feministas ao desprezo pela maternidade. Os cabelos curtos, as pernas finas, os seios pequenos eram percebidos por muitos homens como negação da feminilidade. E eram endossados pela opinião das próprias mulheres. A renomada escritora Júlia Lopes de Almeida era uma delas:
“Basta ver um jornal feminista para toparmos logo com muitos retratos de mulheres célebres, cujos paletós, coletes e colarinhos de homem parecem querer mostrar ao mundo que está ali dentro de um caráter viril e um espírito de atrevidos impulsos. Cabelos sacrificados à tesoura, lapelas (sem flor!), de casacos escuros, saias esguias e murchas, afeiam corpos que a natureza talhou para os altos destinos da graça e da beleza. Os colarinhos engomados, as camisas de peito chato, dão às mulheres uma linha pouco sinuosa e contrafeita, porque é disfarçada. Médicas, engenheiras, advogadas, farmacêuticas, escritoras, pintoras, etc. por amarem e se devotarem às ciências e às artes, porque hão de desdenhar em absoluta a elegância feminina e procurar nos figurinos dos homens a expressão da sua individualidade?”.
Depois de Júlia, Hildegardes Vianna confirmaria que a “masculinização do traje mostraria a sua força maior, anos mais tarde, quando a Escola Comercial Feminina começou a preparar moças para a luta pela própria sobrevivência. “Casacos de corte masculino, blusa camisa de riscado, gravata de manto com nó de praxe e um chapéu coco, daqueles usados por Rui Barbosa […] Telefonistas e costureiras (ajudantes de costureiras, aliás), podiam ser identificadas pelas saias de casimira azul marinho e a blusa branca ao gosto de cada qual. O que fazia a diferença era o chapéu. As telefonistas, com melhor situação social, andavam enchapeladas, mesmo que o chapéu houvesse se transformado no que o vulgo chamava de cuscuzeiro ou masmorra. Os chapéus eram confeccionados com palha de metro pelas chapeleiras que modelavam a copa sobre uma forma de pau. A depender, com o uso, a aba entortava. Mas, nenhuma abandonava o chapéu. Os chapéus! O chapéu feminino não era uma mera proteção para a cabeça ou cabelos. Era um cartão de identidade de procedência social. Uma mulher de chapéus era uma mulher de classe, uma mulher de trato […] as parteiras usavam uma blusinha de mangas curtas (pouco acima do cotovelo) sob o conjuntinho de casaca e saia em tom severo. As visitadoras sanitárias do Estado, lotadas em postos de saúde, indo de casa em casa vacinar, ensinando princípios profiláticos às mães de família, vestiam-se com vestido branco de linho, de mangas compridas, sempre bem engomado e reluzente, contrastando com a feia pasta de couro que carregavam. Também estas, de acordo com a situação, traziam chapéu ou não”.
As estudantes de medicina aderiram ao uniforme para caracterizar sua posição acadêmica e também para justificar ao público sua permanência entre a rapaziada. Adotaram saia e casaquinho verde com blusa branca. As de Direito, portavam uniforme vermelho, blusa creme e laço preto fechando o decote e as da Politécnica, farda azul. O movimento, contudo, estava lançado. Regime e musculação começavam a modelar as compleições longilíneas e móveis que passavam a caracterizar a mulher moderna, desembaraçada do espartilho e, ao mesmo tempo, da gordura decorativa. Insidiosamente, a norma estética afinava, emagrecia, endurecia, masculinizava o corpo feminino, deixando a “ampulheta” para trás.
- “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3)”, de Mary del Priore. Editora Leya, 2017.