No mundo do trabalho, cada vez mais urbano ou industrializado, a confusão entre a mulher fácil e a esposa e mãe era enorme. Por um lado, embora as mulheres correspondessem à grande parcela da força de trabalho e estes fossem tempos de forte militância em favor dos seus direitos, a mentalidade machista era muito forte. Mesmo entre anarquistas e comunistas, a fábrica, espaço de trabalho para milhares de imigrantes e seus descendentes – era considerada um “lupanar”, um “bordel, um “antro de perdição”. A maior parte da imprensa operária atacava as mulheres que deixavam seus lares, para trabalhar no seu ganha pão. Não poucas operárias tinham que provar em casa, que trabalhavam em “serviço honesto”.
Outras, contavam com o depoimento de amigos e colegas para testemunhar que “na fábrica, se comportava bem…”. O jornal A Razão, em editorial de 29 de julho de 1919, repetia argumentos já conhecidos pelo leitor. Seduzidas pelas facilidades do mundo moderno, pelo discurso radical do feminismo e do anarquismo e convivendo de perto com o submundo da prostituição, as mulheres deixariam de ser mulheres:
“O papel de uma mãe não consiste em abandonar seus filhos em casa e ir para a fábrica trabalhar, pois tal abandono origina muitas vezes, conseqüências lamentáveis”.
De fato, algumas delas, dramáticas para as casadas ou noivas. Não era incomum o assédio de chefes e patrões. É da operária Luiza Ferreira de Medeiros o depoimento sobre o cotidiano na Fábrica Têxtil Bangu, no subúrbio do Rio de Janeiro, durante a I Guerra:
“Mestre Cláudio fechava as moças no escritório para forçá-las à prática sexual. Muitas moças foram prostituídas por aquele canalha. Chegava a aplicar punições de dez a quinze dias pelas menores faltas, e até sem faltas, para obrigar as moças a ceder a seus intentos. As moças que faziam parte do sindicato eram vistas como meretrizes, ou pior do que isso: eram repugnantes”
Com a crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho e à esfera pública, lembra a historiadora Margareth Rago, a questão do trabalho feminino era motivo de discussão com outros temas que envolviam as mulheres: virgindade, casamento e prostituição. Enquanto o mundo do trabalho cabia como uma luva na metáfora do “cabaré”, o lar era valorizado como o espaço sagrado da “santa e rainha do lar”, do “reizinho da família”. Com o vertiginoso crescimento urbano das primeiras décadas do século, o mundo do trabalho passou a ser visto como algo profundamente ameaçador para as mulheres e não faltavam críticos desta situação:
“São Paulo caminha para uma perdição moral […] Outrora, em suas ruas onde só se encontravam famílias e casas habitadas por quem tem o que fazer, se veem hoje, caras impossíveis, mostrando, embora cobertas pelo cold cream e pelo creme Simon, polvilhado pelo pó de arroz, os sulcos que não se extinguem, deixados pelo deboche e pelas noites passadas em claro libando, em desenvolta moralidade, as taças de champagne falsificado, entre os pechisbeques do falso amor”.
Junto ao clamor pela “volta ao lar” destas que não se sabia se trabalhadoras direitas ou prostitutas disfarçadas, corria também a preocupação de médicos como o Dr. Potyguar de Medeiros com a educação como meio de escapar ao ineroxável meretrício. No seu estudo de 1921, “Sobre a Phrophylaxia da Syphilis”, ele acusava as jovens trabalhadoras de não ter meios para se defender das armadilhas do mundo moderno.
“Ambos, homens e mulheres, nasceram pelo amor e para o amor” dizia a feminista Maria Lacerda de Moura. Seria esta uma realidade para todos? Ao mesmo tempo em que o país passava a crise do café, a crise das Bolsas de 29, a criação de pequenas indústrias, na base da pirâmide se formava uma nova classe com regras próprias de organização. Nela, os “casamentos” ou melhor dizendo, as uniões, eram precoces, as uniões consensuais e concubinatos, eram regra embora sujeitos à instabilidade e a circulação de crianças, “bastardas”, na casa de parentes e familiares, bastante comum.
Longe de ser fruto de “ignorância” ou “irresponsabilidade”, como acusavam médicos higienistas e juristas, esta classe trabalhadora possuía uma cultura diversa daquela das elites. Uma cultura popular que se chocava, muitas vezes com a das camadas dominantes. Era difícil, se não impossível adaptar-se à camisa de força dos valores burgueses, quando se tinha que sobreviver em condições tão árduas.
“História do Amor no Brasil”, de Mary del Priore.