Ser mulher no Brasil: machismo, violência e a busca pela perfeição

          O Brasil continua muito violento, machista e pobre. As mulheres negras ainda são as mais atingidas em todos os itens: desemprego, baixa escolaridade e vítimas de violência. Acho que a melhor luta seria a de pensarmos em projetos comuns que valorizem nosso gênero. E a luta pode ter um sentido. Há palavras cuja grafia parecem misteriosamente encarnar um. Assim, “independência”, menos do que lembrar o feriado de Sete de Setembro, significa para muitas de nós autonomia, liberdade em relação a alguém ou alguma coisa, ausência de subordinação e imparcialidade diante de críticas. Lendo a lista de sinônimos, fica-se com a impressão de que ela é quase como o grito do Ipiranga: é independência ou morte! Mas, mesmo que um sentimento vital nos empurre nesta direção, ser independente é bem mais complexo do que apenas respirar. Podemos, por exemplo, nos enganar sobre o grau de independência que desejamos ter. Sabemos, também, que mesmo os imbecis querem ser independentes, ou que há milhares de maneiras de se sentir independentes. Conclusão? É mais importante defender um valor e um significado para sua independência do que simplesmente decretar “independência ou morte”.

         Dessa perspectiva, ser independente significa bem mais do que ser livre para viver como se quer: significa, basicamente, viver com valores que façam a vida ser digna de ser vivida. Não basta um estado de espírito. Não basta, como diz o samba, “vestir a camisa amarela e sair por aí”. Tampouco basta sentir-se autônomo, fazendo parte do bando. É preciso algo mais. Ora, um dos valores que vêm sendo retomados pelos filósofos e que cabem como uma luva nessa questão é o da resistência. Na raiz da palavra resistere se encontra um sentido: “ficar de pé”. E ficar de pé implica manter vivas, intactas dentro de si, as forças da lucidez. Essa é uma exigência que se impõe tanto em tempos de guerra quanto em tempos de paz. Sobretudo nesses últimos, quando costumamos achar que está tudo bem, que está tudo “numa boa”; quando recebemos informações de todos os lados, sem tentar, nem ao menos, analisá-las, e terminamos por engolir qualquer coisa.

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          Há uma desvalorização grosseira das conquistas das mulheres, inclusive, por elas mesmas. Esse comportamento ajuda, certamente, a que se continue a cavar um grande fosso entre homens e mulheres, perceptível na questão salarial. É compreensível. Afinal, o chefe teve uma mãe machista! Ora, vivemos um tempo de transformações: na família, no trabalho, nas instituições. Nele, importa eliminar as pendências entre homens e mulheres, mas, sobretudo, aquelas enraizadas dentro de nós.

          Observo uma busca pelo bem estar e aprimoramento da autoestima. Isso é positivo quando não é a qualquer custo, até mesmo o da própria vida. Há dezenas que morrem nas mesas de cirurgiões plásticos inescrupulosos. Certa vez entrevistei a fotógrafa Bel Pedrosa, especialista em photoshop e eis sua resposta que compartilho: “Por que essa necessidade de perfeição? A ilusão não provoca  mais frustração do que prazer?  Não será esse tipo de imagem que leva milhares de mulheres a se submeterem à tortura de uma operação plástica, continuar frustradas,  umas mais, outras menos, com seus corpos  reais,  mesmo depois da transformação? Fico sempre abismada com essas “esculturas vivas construídas” que vão surgindo pelo caminho É que na verdade, depois desse tipo de intervenção, não consigo conceber aqueles corpos como uma coisa ‘normal’. Algumas mulheres que fotografei e que tinham feito cirurgia plástica recentemente estavam eufóricas com os resultados, a ponto de querer compartilhá-lo com uma desconhecida. Essa nova moda do silicone nos seios provoca na mulher uma desinibição constrangedora para mim. Várias  me ofereceram os seios: ‘Você não quer tocar, para ver como é?’, perguntam felizes à fotógrafa. Fico comovida ao vê-las tão satisfeitas com seus corpos. O que não consigo entender é como as cicatrizes não interferem com o prazer. Dizem que elas diminuem, mas as que vi…A única imagem que tenho em mente para descrevê-los é: peito Frankenstein. Não entendo como alguém pode se sentir feliz com uma cicatriz em torno dos mamilos que depois desce, numa espécie de T invertido, com um seio retalhado. Será que, para o homem, o toque naqueles seios compensa a imagem de uma ferida?”.

  • Texto de Mary del Priore.
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Carlos Julião.

 

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  1. marina schneider

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