Por que estudar a História das Mulheres?

A junção de duas oportunidades me fez estudar a História das Mulheres: um pós-doutoramento na École des Hautes Ètudes em Sciences Sociales, onde conheci Jean-Louis Flandrin, autor de inúmeros estudos sobre a história da sexualidade, dos afetos e da família; e os ricos arquivos brasileiros e portugueses que minha geração começava a desbravar. Em velhos documentos, inúmeras vozes de literatos, pregadores e médicos, nunca antes ouvidas, contavam sobre o passado de nossas avós, e os primeiros estudos sobre a história das mulheres começavam a ser publicados. A ideia estava no ar e eu a abracei.

O que determina meu interesse, ao realizar uma biografia, é a possibilidade de, através de um personagem reconstituir todo um momento histórico. Para isso é necessária uma grande riqueza de material documental. De preferência, documentos inéditos – como foi o caso dos conjuntos documentais que encontrei sobre Pedro Augusto de Saxe e Coburgo e de Luísa de Barral. No caso da segunda, tive oportunidade de encontrar dois diários escritos de próprio punho. O primeiro, dava conta de sua juventude, o casamento por amor com Eugênio de Barral e a vida difícil e trabalhosa de uma sinhá, dona de engenho de cana na época da queda do preço do açúcar. Este documento, desmistifica uma série de “lugares comuns” que temos sobre as mulheres de elite, notadamente no que diz respeito a seu alheamento ao mundo do trabalho. Luísa trabalhava, ombro a ombro, com seus escravos, das 5 às 18 horas. Tudo compartilhava, dirigia, orientava, mediava, negociava. Interessantes, também, são as informações sobre as revoltas de escravos que varreram o Recôncavo e que ela enfrenta, vestida de homem, garrucha às costas. A palavra “medo” não consta de seu vocabulário – o que é um paradoxo quando se pensa a mulher do século XIX, como um ser frágil e desamparado. Ela jamais conjugou o verbo então corrente entre suas contemporâneas: renunciar. Luísa não renunciou a nada e viveu sua vida com excepcional determinação. Sua trajetória nos permite perceber não só a história de uma brasileira excepcional, mas também a história do Império e  de suas elites, ao longo de um século

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Luísa não foi a amante de D. Pedro II. Amantes são descartáveis. Ela foi a paixão de sua vida junto com os livros e o Brasil. Foram 34 anos de  companheirismo no sentido latino da palavra: eles repartiam o pão. O material e o espiritual. Foram complementares física e intelectualmente. Foi um sentimento que atravessou décadas, alimentado pela distância a espera e a possibilidade de reencontros. Foi um amor que chegou ao outono de suas vidas, com o frescor da primavera. A receptividade é ótima. Já estamos na segunda edição e em um mês, foram vendidos dez mil exemplares. Trata-se de uma linda história de amor, escondida entre as páginas de história política, social e econômica nos tempos do Império. Mas como já demonstraram tantos historiadores, fora e dentro do Brasil, os sentimentos também merecem uma história

A história do Império ainda tem inúmeras páginas guardadas nos velhos baús de família. Este resgate está por ser feito. O importante é que tais documentos não desapareçam, por menoscabo ou negligência. As lições da Micro-História são justamente as de valorizar o indivíduo como indício de uma nova história social.. Graças a ele ou ela, são possíveis reconstituir redes de relações, de comportamentos, de identidades. A ambição do historiador é a de reconstituir o vivido histórico ou a experiência social  de certo personagem, percebendo as transformações históricas ao nível de seus comportamentos concretos. As trajetórias pessoais, ajudam, assim a entender os processos globais.

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É lamentável que tão pouco tenha sido feito pela mulher brasileira, nas últimas décadas. com exceção da lei Maria da Penha. A verdade é que a mulher brasileira precisa de ajuda para mudar – saúde e educação – mas ela também precisa Se mudar! o problema não é na rua. Mas em casa. É lá que elas escondem seus sentimentos masculinizados. Muitas protegem filhos que agridem outras mulheres, não os deixam lavar louça ou arrumar o quarto. “Homem não nasceu para isso”! A ideia é tornar marido e filhos dependentes delas em assuntos domésticos, pois muitas são dependentes financeiras, deles. Outras calam sobre comentários machistas de seus companheiros, incentivam piadas e estereótipos sobre a “burrice” feminina, cultivam cuidadosamente o mito da virilidade. Gostam de se mostrar frágeis, pois acreditam que eles assim se sentem mais potentes, e de ser chamadas de xuxuzinho, docinho ou gostosona, tudo o que seja convite a comer. O título de cachorra é um elogio. Mulher forte? É sapatona! A “Melancia”? Linda! Acreditam que a feminilidade é um estado natural, a ser conservado e que todas as despesas aí investidas, até cirurgias que acabem por desfigurá-las, são um bom negócio.  São coniventes com a propaganda sexista e com a vulgaridade da mídia.

Há tanto para fazer na área da educação – uma mulher pobre educada pode tirar a família da linha da pobreza -, prevenção de gravidez indesejada, aborto,  violência e equiparação salarial entre gêneros. Quanto aos movimentos de mulheres, estes, lamentavelmente só duraram na época do Regime Militar. Neste período, as mulheres lutaram unidas por melhores escolas, creches e condições de trabalho. O individualismo de nossas sociedades pôs um fim a estes projetos, sim. Mas, é bom lembrar, com o consentimento das mulheres. Somos diretamente responsáveis pela situação que construímos em nossa sociedade e pelo que se vê – quase nada – temos feito pouco frente às necessidades.

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Texto de Mary del Priore.

A Leitora, de Renoir.

 

 

 

 

 

2 Comentários

  1. Carmen Silvia De Sanfim Arantes
  2. Lídia

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