Duas mulheres e uma amizade especial

“Minha queridíssima amiga. Eis que não se passa um só momento sem que eu não
lamente vivamente ter-me privado de vossa companhia e amável conversação, meu
único recreio e verdadeiro consolo nas horas de melancolia, à qual infelizmente tenho demasiados motivos para estar sujeita. Mas aqui, infelizmente, certas pessoas não satisfeitas de me terem privado de uma amiga que me era duplamente cara ainda acham de me espionar para me amofinar e provocar-me aborrecimentos. (…) escrevo estas palavras no jardim, onde não sou observada.”

        As palavras acima fazem parte de uma carta enviada pela imperatriz Leopoldina à sua amiga e confidente, Maria Graham, que fora expulsa do palácio pelo imperador, D. Pedro I. Sozinha, presa a um casamento infeliz e apaixonada por um marido infiel, Leopoldina encontrou algum conforto nas conversas com a inglesa, que havia sido chamada para dar aulas às suas filhas. Graças a isso, a escritora com várias obras já publicadas na época, culta e muito observadora, nos deixou muitos relatos sobre o cotidiano da família imperial.

     A corte, dominada pelos portugueses, contudo, tratava lady Graham com desconfiança. Desde sua chegada, foi vigiada de perto. Criticavam seus modos, suas roupas e seus hábitos britânicos. O ambiente era dominado por mesquinharia e ciumeira, como nos conta Mary del Priore, em “A Carne e o Sangue”. Finalmente, depois de fofocas e receios em relação à amizade das duas “estrangeiras”, D. Pedro mandou embora a única companhia apreciada por sua mulher:

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‘As duas mulheres passavam as horas da sesta de D. Pedro a conversar. Foi o que
bastou. Do ponto de vista das portuguesas, só podia ser uma conjura das estrangeiras! Era tudo o que Leopoldina temia. Chegou a escrever a Louison sobre Maria Graham, confessando esperar que “a maneira equivocada” dali e a política da corte não colocassem “obstáculos” nem afugentassem “a boa mulher”. Não lhe concediam nem o  direito de decidir sobre a educação das filhas, “razão para se desesperar totalmente”, explicou’.

Houve também motivos políticos para o afastamento de Maria Graham. Mary del Priore destaca que, com a saída de José Bonifácio do ministério, tomou corpo um sentimento de antilusitanismo. “D. Pedro radicalizou suas atitudes e sofria a influência das pessoas que o cercavam. Sendo uma inglesa liberal, milady Graham representava o oposto dos princípios retrógrados que reapareceram: absolutistas pró-portugueses, cujos interesses só os jornais da situação defendiam. Do ponto de vista desse grupo, o império parecia ameaçado de dentro do palácio”, completa.

     Leopoldina continuou a se corresponder com sua querida amiga. Falava sobre seus sofrimentos, sua saúde, sua solidão – sempre em tom resignado. A indiferença do marido e o escandaloso romance dele com Domitila, a marquesa de Santos, a torturavam. Milady Graham era uma das poucas pessoas com quem podia desabafar – ainda que discretamente, em suas cartas.

       Mary del Priore relata que Leopoldina “construía uma espécie de heroísmo particular, cristalizado numa cadeia de sacrifícios: ignorar prazeres, sacrificar os dias com a prática de virtudes, aprofundar os sentimentos religiosos, aprimorar o caráter indulgente, discreto e solene… Pobre imperatriz, tão estimável e tão pouco amada”. A impressão de Maria Graham sobre ela era de alguém com pouca saúde e “maior depressão de ânimo do que de costume”. Escrevendo a milady Graham, a imperatriz dizia: “Estou desde há algum tempo numa melancolia realmente negra.” E depois, sobre a estadia da amiga na Europa: “como a invejo do fundo deste deserto”.

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A amizade e a troca de missivas persistiram até a morte precoce da nossa primeira imperatriz, em 11 de dezembro de 1826. A amiga registrou a tristeza e a revolta da população com sua partida: a infidelidade de D. Pedro fazia o povo culpá-lo – e também a sua amante – pela morte da amada Leopoldina. Crescia a sua impopularidade. Maria Graham anotou o lamento: “quem tomará o partido dos negros? Nossa mãe se foi”.

Na sua sofrida e curta vida, ela morreu aos 29 anos, D. Leopoldina pôde contar com o apoio de uma grande amiga. Alguém com quem podia revelar seus desgostos e sua crescente melancolia, ainda que por cartas. Infelizmente, até a proximidade com sua mais querida confidente lhe foi tirada… -Texto de Márcia Pinna Raspanti.

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Arquiduquesa Leopoldina, por Josef Kreutzinger.

Referências bibliográficas:

“A Carne e o Sangue”, de Mary del Priore (Ed. Rocco, 2012).

“Diário de uma viagem ao Brasil”, de Maria Graham (Nacional, 1956).

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