A VIOLÊNCIA FAMILIAR SOB O OLHAR DA IMPRENSA PERIÓDICA

Por Natania Nogueira. 

A violência é uma das formas de imposição de poder mais comum e própria da natureza do homem. Ela é usada geralmente contra o mais fraco, ou seja, contra mulheres, crianças e velhos. Para muitos a violência é um fenômeno que se localiza nas ruas, fora do ambiente familiar. Na verdade, é nele onde ela começa a ser cultivada. Pessoas violentas, em geral, provêm de famílias violentas, onde a criança é oprimia pelos pais e onde o marido bate ou ofende com gestos ou palavras a esposa. Os motivos podem ser endógenos ou exógenos.

O perfil traçado acima aplica-se ao homem atual, mas pode ser útil para entender o comportamento do homem que na virada do século passado descontava na mulher e nos filhos suas frustrações. Mas que frustrações eram essas?

Nas últimas décadas do século passado, o Brasil enfrentava uma crise econômica que se estenderia até a primeira década do século XX e que novamente seria vista, mas em proporções bem maiores na década de 1920. Era a crise do café, que preocupou os produtores dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Por outro lado, a ,política econômica implementada por Rui Barbosa no final do século XIX colocaria fermento a esse processo, visto que o episódio, que ficou conhecido como Encilhamento contribuiu para a desestabilização da moeda e para a desorganização econômica do país.

A República começava com o pé esquerdo. O próprio sistema era uma incógnita para os brasileiros. Quem eram os republicanos afinal? Monarquistas que se tornaram republicanos de última hora disputavam espaço político e confundiam ainda mais a opinião pública, que segundo o historiador José Murilo de Carvalho, sentia falta do Império. Completando o quadro acima estavam as transformações no cenário internacional. Destas, a I Guerra Mundial serviu como marco das transformações que abalavam e abalariam ainda mais à sociedade.

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Em meio a este clima, a imprensa periódica trazia à luz conflitos familiares que se tornavam manchetes, muitas vezes, introduzida por títulos onde figuravam expressões como horroroso e bárbaro. Crimes comuns envolviam pessoas de classes abastardas e populares.

Um caso, datado de 1900, é exemplar por três motivos. O primeiro deles, se refere às vítimas, crianças. O segundo, o autor, seu pai. O terceiro a condição social e o cargo que ele ocupava. Oscar Bessa, alto funcionário do Estado de Minas Gerais, viúvo, habitante da cidade de Belo Horizonte, pai de três filhos, duas moças e um menino, mantinha relações incestuosas com a filha mais velha de 18 anos. A denúncia foi feita pelo irmão mais novo, a mando da irmã, que se aproveitou de um momento de distração do pai. A moça era mantida em cárcere privado, sob ameaça de morte e sofrendo espancamentos constantes e sendo violentada na presença dos irmãos.

Um escândalo que abalou a capital de Minas Gerais e que foi noticiado em todos os jornais do Estado. Além da atitude violenta do pai, estava em jogo a credibilidade da família e do próprio funcionalismo público. Motivos? Aparentemente não existiam. A violência se explicava por si mesma. Era mais fácil colocar a culpa na insanidade de um indivíduo, do que reconhecer que a violência contra a mulher e a criança era uma realidade nos lares brasileiros, já no final do século XIX.

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Em 1904, em Juiz de Fora, um membro respeitado da sociedade, Jacob Becker, matou a esposa a tesouradas. O motivo era comum para a época: ciúmes, muitas vezes suspeitas infundadas. Na cidade de Botucatu, em 1909, fato semelhante ocorreu, envolvendo também pessoas segundo as palavras do narrador “qualificadas” e “estimadas”. O marido, José Alves de Araújo, suspeitava da traição da esposa e resolve lavar a honra atirando na esposa e no suposto amante.

As relações familiares e amorosas que eram expostas em casos de adultério, de violência contra a mulher ou as crianças, de raptos e defloramentos. Problemas conjugais e relações amorosas aparecem em geral relacionados a crimes. Neles os personagens centrais são homens traídos, que lavam a honra com sangue, ou mulheres seduzidas que denunciam seus sedutores ou até mesmo os matam. São casos numerosos que levam à luz questões morais e psicológicas, que fazem parte daquela sociedade, marcada por valores ainda muito ligados ao patriarcalismo.

Os casos de rapto, que aparecem com certa frequência levantam a questão do desafio da autoridade paterna. Ao mesmo tempo, relatos de espancamento de mulheres e até de assassinatos podem estar ligados a relações amorosas frustradas ou mesmo à instabilidade do homem dentro da vida “moderna”, que exige muito mais do trabalhador.

Embora os casos de mulheres que batiam ou maltratavam seus maridos fossem também consideráveis, os homens pareciam estar mais predispostos a esse tipo de atitude. Haja vista a carga de responsabilidades que o novo modelo de família e de homem colocou sob suas costas. Ele havia sido criado em um sistema diferente e teve de seu pai um exemplo diferente. A urbanização era um processo novo e as maiorias das pessoas haviam vivido na zona rural e pertencido a uma família que, se não era patriarcal, possuía ainda resíduos daquele modelo.

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Colocaríamos, portanto, o homem da virada do século como um homem em transição. Sua esposa já não é tão dócil quanto sua mãe o era: ela cobra seus deveres como homem e como marido. Sua própria inserção na sociedade estava mudando. Ela não aceita tão pacatamente o adultério do marido e nisso é apoiado pela ideologia sanitarista que os médicos brasileiros colocavam em prática no início do século, a exemplo do que vinha sendo feito na França.

As pressões diárias o stress da vida urbana e de se viver em um país periférico como o Brasil já são por si só fatores que contribuem para o desequilíbrio de muitos lares. No entanto, no início do século os indivíduos entraram em choque com algo ainda mais desarticulador: a decadência da família patriarcal e a ascensão do modelo burguês da família nuclear. A revisão dos papéis do homem e da mulher, embora tivesse sido um processo inevitável, rompeu com uma antiga relação de poder que teve que ser estabelecida em outros níveis. O controle que o homem tinha sobre sua esposa e suas filhas já não mais o mesmo.

miulher brasileira

 

Imgem disponível em http://www.historialivre.com/contemporanea/amemulher.htm, acesso em 27 de dez. 2014.

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  1. Lavinia

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