Há centenas de anos, a mulher brasileira trabalha. Nos primórdios da colonização, elas foram fazendeiras, comerciantes, lavadeiras, escravas. Nas primeiras décadas do século XX, grande parte do proletariado era constituído por mulheres: espanholas, italianas, polonesas, sírias constituíam 67,62% da mão de obra. As mulheres negras, após a Abolição, continuaram, por sua vez, trabalhando nos setores mais desqualificados e recebendo salários baixíssimos. Nos anos 1970, a participação de mulheres em grupos comunitários resultou na participação também em comissões jurídicas e políticas, que passaram a atuar no sentido de ampliar e melhorar suas condições de vida nas grandes cidades. Elas participaram, ainda, do processo de elaboração da Constituição de 1988, quando vários direitos relativos à vida e ao trabalho feminino foram definidos e aprimorados.
Apesar de subsistirem problemas – segregação ocupacional por preconceito racial, disparidades salariais, menor participação feminina em associações de categorias profissionais, entre outros –, as mulheres obtiveram igualdade, se não de direitos, de reconhecimento com os homens. A conquista da autonomia profissional, a evolução dos modelos familiares, o controle da procriação transformaram sua imagem e situação social. A presença feminina afirmou-se notadamente no mundo do trabalho e, desde os anos 1980, o crescimento da população ativa deve muito às mulheres. Tudo indica, aliás, que essa progressão se conserva, apesar do desemprego. Estudos demonstram, contudo, a persistência de profundas desigualdades entre os dois sexos: econômica, política ou de acesso aos postos de poder. Entre casais, a partilha de tarefas ainda é uma doce utopia; as mulheres consagram-se três vezes mais que os companheiros às atividades domésticas.
Nos anos 1990, as trabalhadoras começaram a substituir a temática das desigualdades em benefício da temática das identidades. A construção de si e o desenvolvimento pessoal tornaram-se prioridade no final de século XX. Elas começaram a recusar identidades importadas, preferindo investir na própria diferença. O padrão da supermulher dos anos 1980, tipo “executiva americana de Wall Street”, calcado sobre um modelo masculino competitivo, não serviu por aqui. A novidade foi o início da utilização de novas lógicas baseadas na sensibilidade e nos valores femininos. Mais do que se identificar aos valores masculinos, elas ressaltaram o que tinham de diferente. Que o digam Chieko Aoki, primeira-dama da hotelaria; Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, maior loja de varejo de roupas femininas; Telma Polo, na área de sapataria; além de outras empresárias que preferiram colocar intuição e amor no trabalho.
A negociação, a mediação como modos de resolução de conflitos tornaram-se preferíveis ao autoritarismo. A cooperação e a solidariedade, a assistência ao outro esvaziaram o espírito de competição e egoísmo. A educação tomou o lugar das antigas manifestações repressivas de disciplina. A preocupação com o meio ambiente substituiu a relação predatória com a natureza – não foi por acaso que a indústria cosmética Natura nasceu nessa época. Nas sociedades ocidentais, tal processo de feminização começou a aparecer tanto na organização do trabalho quanto no modo de vida, nas formas de consumo ou comunicação. Um dos efeitos foi ver em propagandas a imagem de “homens voltados para a vida privada”, desejosos de se apropriar do que era considerado um atributo das mulheres.
Não há dúvida de que aquelas que o filósofo Edgard Morin descreveu como “agentes secretas da modernidade” tornaram-se as principais personagens de mudanças em nossa sociedade. Ao feminizar o trabalho, as mulheres mudaram as regras que as queriam como um “homem de saias”. E, hoje, elas querem, ao mesmo tempo, ser mães, trabalhadoras, cidadãs e sujeitos de seu lazer e prazer. Difícil? Sim, mas inevitável.
– Mary del Priore
Obrigada por vocês ter lembrado de mim, é muito bom ter artigos recentes está me ajudando muito tudo que vem de Mary Del Priori é de bom grado e aprendo muito, Sou psicóloga Clínica e faço um trabalho voluntário no CEAL- Centro Espírita André Luiz e sou parceira da Abrape- Associação dos Psicóogos Espíritas.
Muito grata