Para quem guarda na memória figura de D. Pedro II como aquele senhor severo, de barbas brancas, vamos mostrar um outro lado seu: romântico e até pueril em suas atitudes. Parece que todos os apaixonados são iguais…Confira:
Com os livros vindos da Europa, circulavam no Brasil ideias sobre as relações entre os sexos. O discurso amoroso que circulava numa pequena elite, inspirada do romantismo francês, era recheado de metáforas religiosas: a amada era um ser celestial. A jovem casadoira, um anjo. O amor, uma experiência mística. Liam-se muitos livros sobre sofrimento redentor, sobre estar perdidamente apaixonado, sobre corações sangrando. Nada disto era dito com palavras, mas com o corpo: tremores, lágrimas, silêncios, arrepios. Enrubescer era obrigatório para demonstrar o desejado nível de pudor que elevava as mulheres à categoria de deusas, santas e anjos. A verdadeira paixão era platônica. José de Alencar retratou num de seus personagens: Augusto que gostava de deitar-se solitário, acompanhado pela imagem da amada de quem sorvia, em sonhos, voluptuosos beijos.
Luiza e Pedro embarcaram nesta aventura. A Condessa e o Imperador se amavam à distância. Suspiravam – disfarçadamente – um pelo outro. O desejo se manifestava de forma tradicional, então. Por pisadelas. Pisar, com delicadeza, o pé da amada era manifestação de adoração completa. Cuidadosamente embrulhado no tecido do sapato, ele era o primeiro passo da conquista amorosa. Enquanto o príncipe do conto de fadas curvava-se ao sapatinho de cristal da Borralheira, no Paço, o pezinho era lugar de culto. Tirar o sapato, gentilmente, era o início de um ritual no qual o sedutor tinha uma vista do longo percurso a conquistar. Quem revelou a bolina dos pés foram as princesas. Dona Leopoldina, que tinha apenas dez anos de idade, perguntou à Imperatriz: “-Mamãe! Por que é que, durante as lições, Papai pisa no pé da Condessa?”. “Ah! Dice mi dice mai quel barbaro dove é. Ah! Fuggi el Traditore ”, diria nossa Elvira traída, saída de uma página do libreto de Don Giovan
Mas a convivência era íntima. Em torno da mesa de estudos, do almoço ou do jantar os olhares se entrosavam. Os sorrisos também. Os braços se roçavam na análise de um mapa e as mãos se cruzavam sobre um mesmo livro. O romance se tecia e o perigo também. Afinal, ele se desenrolava dentro do Paço, no lar, às vistas da enfadonha D. Teresa Cristina. Os dois sabiam ser dissimulados e hábeis. Ela com vivacidade; ele com hipocrisia. Ela com alguma experiência e ele, com o capuz de frade enterrado até os olhos. Mas não enterrado o bastante, a ponto de lhe roubar um sorriso ou uma mirada. Ele ousava, ela concedia. Os versos feitos pelo imperador, também não deixavam dúvidas quanto ao sentimento que compartilhavam:
“Quantas vezes com a mais doce maldade
O relógio fatal eu desandava
E um teu sorriso logo indicava
Que em tal quiseras ter cumplicidade
Se por querermos mais, cessava a harmonia
Também custava pouco reatá-la
E assim o dia era igual a outro dia”
Anos mais tarde, ele se referiria a estes como os “tempos felizes” em que não faltavam as “conversas de dantes”. Saudoso, reclamava: “quem me dera poder passar um instantinho ao menos do tempo em que estudávamos juntos”. Referia-se a “tudo que foi e será sempre nosso”. Ou declarava, “as cartas de você são a chuva neste deserto […] mande notícias de lá, tão longe, a quem tanto lhe quer”. Deixava-se, ainda, levar pelas lembranças de “Camões que tantas vezes lemos juntos” ou pelos diálogos sobre “os gostos que temos”.
Mary del Priore (“Condessa de Barral – a paixão do Imperador”).