Desde o século XV, no sul de Portugal e, posteriormente, nas ilhas não muito distantes do litoral da África, a escravidão em associação com engenhos de açúcar era comum. Ela se intensificou ao longo dos séculos XVI e XVII, graças ao tráfico para o Brasil. A importação de africanos cobria a lacuna da falta de mão de obra, uma vez que epidemias e mortes causadas pelo trabalho forçado e o rompimento com estruturas tradicionais de vida social, associadas à fuga de tribos inteiras para o interior, acabaram por inviabilizar o trabalho dos “negros da terra”. Melhor: os “negros da Guiné”.
A cana matou o índio e importou o africano. Dizia o padre Anchieta que “os portugueses não têm índios amigos que os ajudem porque os destruíram todos”. Se, de um lado, a escravidão indígena durou até fins do século XVII no planalto paulistano, absorvido pela produção de trigo, a percentagem de escravos índios envolvidos na produção do açúcar foi, de outro lado, baixando à medida que os senhores enriqueciam e podiam importar africanos. Isso começou a acontecer no Nordeste e no litoral do Sudeste, a partir da segunda metade do século XVI. O tráfico, por sua vez, desenvolveu-se cada vez mais sob o controle de comerciantes estabelecidos em cidades como Rio de Janeiro, Recife ou Salvador, cujos proventos eram reinvestidos nos engenhos, plantação de cana e exportação de açúcar.
Nas áreas rurais, tais plantações drenavam escravos, sem cessar. Eles saíam das lojas e leilões onde ambos os sexos eram expostos nus, à venda como se fossem animais. Submetidos a senhores e administradores, os cativos tinham que se integrar a uma divisão de trabalho bastante sofisticada. Sem falar a língua, era preciso obedecer e aprender o português assim como os rudimentos da prática cristã. Era necessário ainda se adaptar à cultura dos senhores, mas também àquela das senzalas, com seus cativos de diferentes nações, dialetos e hábitos religiosos. Na Bahia, por exemplo, graças à sua superioridade numérica, os nagôs conseguiram impor o ioruba como língua franca entre os africanos.
Nos engenhos, o escravo faria parte de uma equipe de doze ou quinze homens e mulheres. Se apresentasse aptidão para algum ofício especial, se tornaria aprendiz de um escravo mais antigo. A produção de açúcar exigia diversos especialistas. Desde pedreiros, carpinteiros e marceneiros até oficiais da casa de caldeira, purgadores, trabalhadores no serviço de enxada, da casa de caldeira, do serviço de moenda ou da horta, assim como carreiros, carapinas, pedreiros, arrais de saveiros, entre outros.
Com frequência, ofícios mais particularizados eram reservados aos escravos crioulos; porém, muitas vezes o africano chegava formado por seu clã ou sua tribo, pois nas aldeias não faltavam artesãos. Todo o cuidado que lhes era dispensado devia ser entendido como zelo pelo capital que representavam. Tratá-los como “coisa” era natural, regra, aliás, seguida pela Igreja Católica, que os possuía, às centenas, em seus conventos e propriedades.
- DEL PRIORE, Mary.”Histórias da Gente Brasileira: Colônia vol. 1 – Editora Leya, 2016.
Excelente publicação. É dura a realidade de quem faz parte desse povo que foi explorado, quando não liquidado, vivenciando a negação existente no Brasil.
Por isso é importante estudar História! Para entendermos como chegamos até aqui.
Sem dúvida, Gilberto.