Em de abril de 1817, o príncipe Pedro de Bragança (futuro D. Pedro I), casava-se, por procuração, em Viena, com a arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina de Habsburgo. O casal só viria a se conhecer após a chegada da noiva ao Brasil, depois de uma viagem de navio que duraria 84 dias. No primeiro encontro, o esposo acolheu a jovem com “os vivos sentimentos de consorte”. Casamentos reais raramente envolviam emoções fortes. Na tradição aristocrática, a conveniência política e social estava acima do laço sentimental, apenas contavam a aliança dinástica e a progenitura. Leopoldina tinha uma grande qualidade aos olhos de D. Pedro: era cunhada de Napoleão, que, apesar de inimigo de Portugal, ele admirava profundamente por sua coragem e conquistas militares.
Para a jovem noiva, o príncipe era “tão lindo quanto um adônis, […] fronte grega, sombreada por cachos castanhos, dois lindos e brilhantes olhos negros, […] ele todo atrai e tem a expressão eu te amo e quero te ver feliz, […] já estou completamente apaixonada”. Por certo, apaixonada significava estar tomada de amor romântico: amor sem encontro de corpos, só de alma e espírito. Pois, ao ser introduzida por sua madrasta “aos deveres e transtornos do estado civil”, situação que considerou desgastante, Leopoldina “suou terrivelmente”. Sexo era coisa algo imunda e assunto proibido para moças castas. O desafio era “ser útil à pátria”, abafando o que pudesse ofender a virtude. Bastava deitar-se, não gemer e pensar no império. A jovem, desde pequena, era extremamente religiosa: orava e meditava regularmente. Sua compaixão com pobres e aflitos decorria desse compromisso com a Igreja.
Culta, bondosa, religiosa e sonhadora, assim era a jovem a quem D. Pedro foi apresentado. Uma mulher que acreditava ser amável por suas qualidades morais. Um símbolo de beleza espiritual e não física. Educada numa casa real em que a fé e a virtude se misturavam ao orgulho dinástico, a princesa tinha profundos escrúpulos piedosos, além de temer a escravidão do pecado. Para ela, o casamento era um sacerdócio. Já para o noivo…
Pedro tinha, então, 19 anos. No dia em que conheceu Leopoldina, ainda trazia no corpo o gosto e o cheiro de uma amante francesa. Apreciava “dançarinas e coristas, em detrimento de damas de alto coturno”, segundo o naturalista francês Victor Jacquemont. Na época, amantes e concubinas eram o avesso das esposas. Estas cuidando da linhagem e dos filhos, portanto do sangue. Aquelas, do prazer, logo, da carne. Ambas completavam o homem. As vagabundagens amorosas do príncipe eram largamente conhecidas. D. Pedro, apesar do matrimônio, não parecia inclinado a recusar nenhum deleite nascido dos sentidos. Ele não conhecia limites nem diante da família nem diante do marido da mulher desejada. Pais honrados trancavam suas filhas para protegê-las. Explicou um deles: “para que a língua do povo não rumorejasse”. Nenhuma mulher se negava a D. Pedro, não só por ser príncipe, mas por ser fogoso, dizia-se.
Leopoldina logo começou a enxergar que o belo príncipe era infiel e rude. Foram várias as amantes, e D. Pedro não era propriamente discreto, mesmo após o casamento. O rumoroso caso com Domitila de Castro, que mais tarde se tornaria a marquesa de Santos, foi o que mais trouxe dor e humilhação a nossa primeira imperatriz. As cartas enviadas à irmã revelam o desespero da mulher abandonada. E depois traída. Ela acreditava que podia ser feliz, e seu casamento ruiu como um castelo de cartas, sem que ela tenha feito nada isso. Quando passou a ser obrigada pelo marido a conviver com a “favorita” e com a filha bastarda de Domitila, ela sofreu brutalmente.
Pedro transformou Domitila em primeira-dama do Paço, conferindo-lhe o direito acompanhar o casal imperial a todos os lugares, sendo-lhe destinado um lugar de honra logo após os imperadores em qualquer situação pública. Viajaram juntos para a Bahia. Os amantes jantavam juntos e a imperatriz, ficava no camarote do barco que os levou. A Corte reagiu. O corpo diplomático, também. Mas não havia nada que constrangesse D. Pedro. Houve um momento em que Leopoldina pensou em abandonar o marido e em voltar para Áustria. Ameaçou deixar a família e partir sem nada. A cena se deu quando da morte do pai de Domitila, época em que D. Pedro esqueceu os compromissos conjugais e enfiou-se na casa da favorita. Depois, ele pediu-lhe perdão e já foi o início do fim: Leopoldina grávida, fraca e deprimida, começava a não querer mais viver.
Aos 29 anos, mãe de cinco filhos vivos (ela teve nove), a moribunda acusava:
“Há quase quatro anos, minha adorada mana, como vos tenho escrito, por amor de um monstro sedutor me vejo reduzida ao estado da maior escravidão e totalmente esquecida do meu adorado Pedro. Ultimamente, acabou de dar-me a prova de seu total esquecimento a meu respeito maltratando-me na presença daquela mesma que é a causa de todas as minhas desgraças. Muito e muito tinha a dizer-vos, mas faltam-me forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa da minha morte.”
Pela última vez, confessava sua solidão e abandono. A que fora relegada pelo marido, mas, também, pela própria família. Se, publicamente, não reagira ao escândalo, usara a privacidade de uma carta para acusar o companheiro e sua amante. Ela poderia ter escrito como o poeta: “Eles me mataram.” O lamento de Leopoldina registrava, pela última vez, sua luta. Luta por um amor unilateral, em que tudo virara armadilha. Depois de tanto cansaço, poderia, enfim, dormir um sono de criança. Nas últimas correspondências, dizia-se arrependida de ter casado.
– Texto de Mary Del Priore (edição: Márcia Pinna Raspanti).
D. Pedro I e D. Leopoldina em trajes de gala, por Simplício Rodrigues.
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