O convívio pioneiro com as culturas de além-mar apimentou a Europa, e em particular Portugal, com sabores, odores e sensualidades novas. No momento em que se implementa o modelo cristão de vida conjugal e que uma avalanche de textos moralizantes se abate sobre as populações, ocorre, também a expansão de uma gastronomia à base de afrodisíacos. Uma resposta silenciosa à repressão sensual? Uma forma de escapismo às normas da Igreja? O que se sabe é que cada vez mais, se consomem sopas de testículos de ovelhas, omeletes de testículos de galo, cebolas cruas, pinhões, trufas entre outras substâncias usadas nesta culinária encarregada de estimular o desejo sexual, esclarece o especialista e historiador Henrique Carneiro. Na Europa ocidental se expande o uso do âmbar, do almíscar, de perfumes animais, não só como odorizantes do corpo mas, também, como alimentos. Especiarias estimulantes, reconfortantes, tonificantes e revigorantes ampliam a gama erótica dos prazeres – lógico, prazeres proibidos – da carne.
Portugal é porta de entrada desses produtos transformando os portugueses, o primeiro agente de colonização, inclusive sexual, das Índias. O estímulo renovado dos sentidos foi uma das facetas mais exuberantes do Renascimento, não apenas, lembra Carneiro, na expressão artística, mas no desenvolvimento de uma sensualização dos costumes. Se por um lado, Portugal, cujo renascimento foi incipiente e demasiado breve, não conheceu a exaltação pictórica, poética, gastronômica e luxuriosa do corpo, ela se constituiu na placa giratória que, por excelência, distribuía especiarias de luxo, vindas do Oriente. Produtos que alimentam a sede de estímulos sensoriais nas cortes da França e das ricas cidades italianas.
O contato imediato dos lusos com as Índias Orientais e Ocidentais não impediu, contudo, influências na cultura portuguesa onde, a despeito de toda a severidade moralista, também penetrou o fascínio dos perfumes. Perfumes vindos tanto da China quanto do sub-continente asiático, além dos saberes fitoterápicos vindos da América, se uniam para a realização de filtros capazes de resolver casos de amor ou ciúmes, assim como se prestavam à preparação de venenos e abortivos. Um dos mais notáveis cronistas a perceber o desbravamento sensorial vivido pelos portugueses foi Garcia da Orta. De origem hebraica e amigo de Camões, ele se dedica ao estudo da farmacopeia oriental. A descoberta de novas faunas e floras o permite saudar, com entusiasmo, os afrodisíacos largamente utilizados nesta parte do mundo. Ele não apenas menciona a cannabis sativa, banguê ou maconha, mas exalta, igualmente, as virtudes do ópio. Fundamentado em sua convivência com os indianos, Orta sabia que o ópio era usado como excitante sexual capaz de duas funções: agilizar a “virtude imaginativa” e a retardar a “virtude expulsiva”, ou seja, controlar o orgasmo e a ejaculação. Além destes dois produtos, Orta menciona o betel, uma piperácea cuja folha se masca em muitas regiões do Oceano Índico, lembrando sobre o seu uso que “a mulher que há de tratar amores nunca fala com o homem sem que o traga mastigado na boca primeiro”.
Nem todas as especiarias conhecidas eram consideradas afrodisíacas. Apenas o açafrão, o cardamono, a pimenta negra, o gengibre, o gergelim, o pistache e a noz moscada. Nos herbários, livros em que se reuniam descrições e ilustrações de plantas, não há referências à canela e ao cravo como possuidores de virtudes afrodisíacas embora fossem das mais disputadas e caras delas. As outras substâncias com a mesma e poderosa reputação eram o âmbar e o almíscar, produtos até século XVI, de origem desconhecida, na Europa.
Os produtos exóticos descobertos nas novas terras abordadas pelos europeus, incluíam os animais africanos. O rinoceronte, denominado alicorne, proveniente da Guiné, tinha o chifre comercializado devido a sua reputação de afrodisíaco – o que ocorre, aliás, até hoje. Outro animal de uso mágico sexual era a pomba do mato ou yoroti.”: “quando o macho morre, não se torna a fêmea a casar e quando a fêmea morre não se torna o macho a casar […] os negros os dão de comer as suas mulheres para não terem conversação com outro homem”, explicava Garcia da Orta. O uso analógico de certas plantas ou animais, em que se busca obter suas mesmas virtudes e propriedades, era comum. Animais fiéis ao parceiro, ingeridos, induziam à fidelidade.
O primeiro observador encarregado de fazer um relatório de história natural do Brasil, o holandês Guilherme Piso registrou também, embora mais discretamente, algumas plantas afrodisíacas. Segundo ele, tanto “a bacoba quanto a banana se consideram plantas que excitam o venéreo adormecido”. Sobre o amendoim registrou: “os portugueses as vendem diariamente o ano todo, afirmando que podem tornar o homem mais forte e mais capaz para os deveres conjugais”.
Nas obras publicadas na Europa sobre plantas vindas dos Novos Mundos – Ásia, África e América – aparecem espécimes sob a rubrica “amor, para incitá-lo”. Dentre tantas conhecidas se destacam a hortelã, o alho-poró e a urtiga. Outras, ainda, aparecem sob rubricas como “jogos de amor” ou “para fortificação da semente”, leia-se, do sêmen. Em 1697, um destes livros menciona dezenove substâncias, muitas delas extraídas do reino animal: genital de galo, cérebro de leopardo, formigas voadoras. Entre as substâncias vegetais encontram-se a jaca, as orquídeas e os pinhões. Já para diminuir os “ardores de Vênus”, deusa do amor, menciona-se do chumbo ao mármore e deste ao pórfiro, cuja frigidez, quando aplicados sobre o períneo ou os testículos, diminuíam o ardor. No sumário de alguns herbários existem entradas que bem mostram os efeitos destas descobertas: “induzir a fazer amor”, “incitar a jogos de amores”, “fazer perder o apetite para jogos de amores” e “sonhos venéreos quando se polui sonhando”, “substâncias úteis para excitar o jogo do amor ou para as partes vergonhosas”.
No item de receitas próprias para “engendrar e facilitar a ereção e o coito”, as ostras, o chocolate e cebola eram apreciadíssimos, assim como a alcachofra, a pêra, os cogumelos e as trufas. O médico de D. João V, Francisco da Fonseca Henriques, em seu livro Âncora Medicinal, de 1731, cita ao menos cinco plantas, – a menta, o rábano, a cenoura, o pinhão, e o cravo – atribuindo-lhes o dom de “provocar atos libidinosos e incitar a natureza para os serviços de Vênus”. Segundo ele, uma dieta casta devia evitar alimentos quentes, fortes e condimentados, aliando-se a tal cardápio outras terapias tais como banhos frios e aplicações tópicas de metais. O chocolate, anteriormente usado até durante o jejum católico, começou a sofrer a ser condenado por provocar excesso de calor. Em seu lugar, surgiu a louvação antierótica do café, cuja entusiástica adoção reflete um novo espírito burguês, casto, econômico, e produtivista. De par com uma tal dieta de economias em todos os sentidos, também o sêmen devia ser poupado e reservado à sua exclusiva função reprodutiva.
Os portugueses estiveram cara a cara com uma ars erotica que usava e abusava de afrodisíacos. Dela, contudo, só levaram para Portugal a possibilidade de ver em tudo, pecado ou doença! No século XVIII, a ideia de que o amor é uma doença não faz os afrodisíacos desaparecem dos manuais de remédios, mas se recomendam, cada vez mais, os anafrodisíacos. Definindo-os como “aqueles remédios que ou moderam os ardores venéreos ou mesmo os extinguem. os herbários registram substâncias cuja função era, basicamente, esfriar o desejo. É o caso do agnus castus, ou agno-casto, a mais eficaz das plantas anti-eróticas que “recebe o seu nome porque ele torna o homem casto como um cordeiro porque ele reprime o desejo de luxúria”. Existiam várias outras substâncias com a mesma reputação de esfriar ou anular o desejo, como a cânfora, por exemplo: “contra a luxúria, respirar cânfora. Por sua frieza a cânfora condensa os espíritos e espessando-os, os retém no corpo”. Havia anafrodisíacos que agiam “espessando a semente”, tornando-a, portanto, mais difícil de escorrer. Nessa categoria encontramos as sementes de alface, de melancia, de melão”. Outra categoria era constituída por substâncias que consumiriam “espíritos do corpo e semente” como arruda, cominho e aneto.
Se antes do século XVII, o coito era recomendado se praticado com regularidade e sem exageros, a partir deste período, segundo Carneiro, o quadro muda e intensifica-se uma censura ao amor considerado, como já viu o leitor, causa de perturbações de saúde e mesmo moléstia contagiosa. Torna-se consensual a noção de que o prazer é a pior fonte dos males do corpo, conforme o que a moral cristã já vinha afirmando há mais de um século.
Os meios disciplinares, coercitivos, cirúrgicos anti-afrodisíacos da medicina dos séculos XVIII e XIX ofuscam, pouco a pouco, o antigo arsenal de plantas anafrodisíacas dos herbários seiscentistas e setecentistas. O antigo e poderoso agnus-castus não recebeu mais as indicações gélidas do passado, mas a temperança a frieza e sobriedade em todos os terrenos, especialmente no amor, tornaram-se virtudes burguesas da nova época. Virtude, diga-se, que deveria ser regada a café, bebida elogiada justamente por sua capacidade anafrodisíaca. O mundo barroco do chocolate, dos aromas importados, do almíscar e âmbar, das comidas fortemente “adubadas” de acalorados condimentos, de obsessão afrodisíaca que generosamente concedia esta virtude a diversos vegetais e animais, é substituído por um outro; um mundo industrial em que o desempenho do trabalho é movido a excitantes: o café, o tabaco, todos elogiados como “dessecativos e anti-eróticos”. – Mary del Priore
Alimentos condimentados e “quentes” eram considerados afrodisíacos.
Gostei do assunto de sua divulgação, gostaria de ver se é pertinente para meu site.
Saudações.
Att.
Conteúdo bom e de qualidade.