A 15 de outubro de 1864, Isabel casava-se com o Conde d´Eu, elevado a marechal do Exército brasileiro. Começava então um período da vida de Gastão de Orléans que merece ser revisitado pela historiografia. Sua biografia escora-se em estudos parciais e pouco simpáticos ao “francês”, como era chamado.
A princesa herdeira do trono não dava frutos. Numa época em que o casamento não tinha outra função se não a procriação, a esterilidade do casal pairava como uma mancha. Os cunhados (Leopoldina e Gusty) tinham um filho atrás do outro, saindo-se melhor nos papéis exigidos pela sociedade do que “o francês” e Isabel. E, pior. Era obrigação deles dar herdeiros varões ao império. Uma cobrança silenciosa se instalara. O sogro aguardava. A corte aguardava. O povo também aguardava a notícia de um sucessor. O clima patriarcal não atingia apenas Isabel. Atingia, diretamente, o marido, o reprodutor. O fantasma da impotência podia jogar na lama, apequenar, diminuir, qualquer nome. Até o do consorte.
Tais problemas escondiam também, outra face do casamento. A do ressentimento. Durante o primeiro ano do matrimônio, ele fizera de tudo para demonstrar ao sogro que podia, e devia, ser tratado de igual para igual. Queria ser visto, não como um simples consorte, mas como alguém com habilidades bastantes para governar o país. Na França, diferentemente da Inglaterra, o marido de uma imperatriz era um imperador. E não um adorno. Não tinha estômago para andar dois ou três passos atrás da esposa. Mais. Durante os anos iniciais da Guerra do Paraguai, o jovem francês tentara participar dos combates. Ele fora educado na crença de que não havia outro destino para um homem superior, senão as armas. Achava-se habilitado a confrontar o inimigo. Qualquer inimigo. Numa tentativa de se afirmar frente a pouca simpatia de que gozava, ou frente à esterilidade do casal, Gastão multiplicava seus pedidos para participar da frente de batalha. Mesmo àquela localizada nos sertões mal conhecidos, nos pantanais que, a todo o momento, ameaçavam tragar homens e animais, na luta entre índios que mutilavam corpos humanos. Ameaçava: se não o deixassem partir sob as ordens do marquês de Caxias, abandonaria o cargo de comandante-geral da artilharia. Murmurava, protestava, se rebelava.
No mesmo ano em que nasce José, o terceiro filho de Gusty e Leopoldina, se arma o cenário que mandaria Gastão para o que a cunhada chamava – gentilmente – de seu “triunfo”. Caxias abandonara as tropas contra a vontade do imperador, dando a guerra por terminada. O fim de Lopez – chamado pelos seus de El Supremo – não fora, contudo, determinado. Era procurado vivo ou morto. O ditador conseguira escapar ao cerco em Lomas-Valentinas, refugiando-se na cordilheira, ao leste da capital. Depois de uma campanha brilhante, Caxias se negava a caçá-lo. Alegando mal estado de saúde, depois de desmaiar na catedral de Assunção vítima de uma síncope, o Comandante-em-chefe das Forças Aliadas partiu para o Rio aonde chegou anonimamente. Sem nenhuma recepção de boas vindas. Estava exausto da guerra e da relação com o imperador. D. Pedro II escrevia ao Conde d´Eu:
“Caxias pediu demissão do comando do Exército e Guilherme Xavier de Souza, segundo o que há poucos dias se reconheceu, não poderá substituí-lo convenientemente. Em tais condições, propus a você para este cargo, porque confio em seu patriotismo e iniciativa. O Governo, que pensa como eu a respeito de você, que é preciso livrar quanto antes o Paraguai da presença de López, julgou que se deve conceder a demissão a Caxias e nomear você”.
Ah! O velho sonho iria se realizar. As palavras podiam, finalmente, passar aos atos. E os atos iriam, infelizmente, se materializar no período mais inglório da guerra, mais despido de láureas. As notícias sobre o front corriam: descampados queimados, tempestades que arrancavam as tendas e encharcavam a munição, cavalos magros, epidemias com “paralisias reflexas”, ou seja, beribéri, a terrível fome que transformava os homens em cadáveres ambulantes, trazendo consigo ossos carcomidos com que faziam caldos, corpos de crianças e mulheres olhando fixo, abandonados no chão, som de lanças e sabres se chocando, enterros e mais enterros. O temido front: um grande cemitério a céu aberto. Gaston iria se prestar ao papel que Caxias recusara e que Isabel chamava de “capitão do mato atrás de Lopez”. Papel de coveiro. Esposa amantíssima, ela tentou de todos os modos evitar que ele partisse. Seus argumentos escondiam a consciência do que estava acontecendo. Ambos sofriam com a falta de herdeiros e Isabel adivinhava as razões do marido. Provar-se. Expor-se. E ela escrevia ao pai, desesperada, pedindo que este mudasse de ideia e não mandasse seu marido para a guerra.
Gastão foi. Isabel não foi. Como por encanto, ele rapidamente se cansou da luta. Agora queria desistir. Voltar o quanto antes. Relutava em assumir o posto de campeão ao qual se tinha proposto. Os confrontos com o sogro o faziam se queixar ao pai, na França: “terei que confinar-me à Laranjeiras, mergulhando nos livros”. Marcava passo. Era a vez do imperador ameaçar: “Você não deve nem pode deixar o comando. Estou certo de que você não me abandonará nesta empresa”. Ao que o outro respondia: “Já não me sinto capaz de dar quaisquer ordens.”. Por tudo e em tudo, se mostrava amuado, displicente, caprichoso. Revelava um comportamento infantil que não escaparia a um observador mais avisado. Foi o que constatou Afonso de Taunay, seu secretário de Estado Maior, que não se furtou a registrar sua morosidade.
Na troca de correspondência com o sogro, havia políticos que denunciavam seu abatimento moral, o desejo ardente de regressar para casa junto com os Voluntários da Pátria, a paralisação das tropas em função deste estado de espírito. Houve quem o acusasse, como fez o então ministro da marinha, Barão de Cotegipe, até de “inação e frieza com que deixou cair nossa gente”, de perda de força moral sem demonstrar querer reavê-la, de “cabeça perdida” que só nutria maus desígnios. “O príncipe está no mais triste dos erros quando vê diante de si o impossível”. Acusações que lhe valeram o ódio de Isabel e das quais ela iria se vingar mais à frente. Na capital, num lance de mau gosto, circularam panfletos anunciando a partida do Conde D´Eu para a Europa. A razão: os maus-tratos que lhe impingia o imperador! As frustrações se acumulavam. Gastão estava sem filhos, sem coroa, sem poder.
A 1º. de janeiro as tropas brasileiras comandadas ocuparam uma deserta Assunção. Em junho, o visconde do Rio Branco e o chanceler argentino autorizaram a organização de um governo provisório paraguaio. López continuava escondido e só seria morto no início do ano seguinte. Novas pesquisas seriam necessárias para descortinarmos o papel de gestão nas múltiplas vezes em que Isabel assumiu o trono, quando das viagens de D. Pedro II, assim como na Abolição. Artigos recentemente publicados revelam uma participação mais eficiente na Guerra do Paraguai do que a propalada pelas biografias republicanas.
Em novembro de 1889, o golpe republicano exilou o casal junto com os outros membros da família imperial brasileira. Isabel e Gastão instalaram-se entre a Normandia, no Castelo D´Eu e uma “villa”, ou seja, linda casa de campo, em Boulogne-sur-Seine. O duque de Némours, ajudou e muito a instalação deste filho que apostou, todas as cartas, no império brasileiro e perdeu. Gastão tentou obter de volta sua posição na família real francesa, mas não foi bem recebido.
Isabel e Gastão criaram os três filhos na Europa. Em 1909, na eminência da renúncia de seu filho D. Pedro de Alcântara aos direitos dinásticos para se casar com a condessa Isabel Dobrzensky de Dobrzenicz, D. Luís Gastão tratou de legitimar junto aos orleanistas seus direitos à sucessão do trono francês. Dessa forma, mantinha para seu varão primogênito a condição de príncipe. Ele retornou ao Brasil em 1921, já viúvo, (Isabel fecha os olhos em novembro deste mesmo ano) para repatriar os restos dos imperadores e que atualmente se encontram no Mausoléu Imperial da Catedral de Petrópolis. O conde d’Eu morreu no ano seguinte, de causas naturais, a bordo do navio Massilia, que mais uma vez o trazia ao Brasil, para a celebração do primeiro centenário da independência do país. Ele e Isabel também estão sepultados na Catedral de Petrópolis. – Mary del Priore
Isabel e Gastón, com o filho Luiz, a nora e os netos.
Grato.
Caso Isabel tivesse se sagrado imperatriz qual seria o título de Gastão? Seria um príncipe ou imperador?
O Conde d´Eu continuaria com seu título de “conde”. Ele já era príncipe por nascimento, príncipe de sangue, neto do rei Luís Felipe de Orléans e depois da guerra do Paraguai houve enorme pressão, sobretudo do lado da família francesa, para que ele recebesse o título de “duque” – como Caxias. Não se sabe por que D. Pedro não lhe concedeu. Não se gostavam.