Em 1966, segundo a revista Realidade, 66% dos jovens acreditava em casamento indissolúvel, 62,8% que seria natural amar o mesmo cônjuge até o final da vida, 54% era contra o uso de anticoncepcionais no matrimônio e a mulher casada ter relações com outro, seria condenada por 87,2%.
Numa sociedade conservadora, falava-se muito em “corrupção de menores”, em “desajuste”. Um exemplo se via na matéria publicada por O Cruzeiro, em janeiro de 1964: fotos de jovens aparentemente drogados ou alcoolizados e a pergunta: “Onde estão nossos pais?”. Em preto e branco, a imagem de uma adolescente, cabelo curto, jeans e cigarro entre os dedos e a legenda: “Maria Elisa: seu drama começou com a separação dos pais”! “Na Guanabara, estatísticas anunciam proporções assustadoras”, explicava a matéria. Era a delinquência juvenil batendo às portas e o tradicionalismo parental revidando. Menores superavam adultos em crimes. E as palavras do juiz Dr. Cavalcanti de Gusmão, davam o tom: “Muitos pais vêm perdendo a autoridade sobre seus filhos, deixando-os entregues à própria sorte, por omissão ou comodismo, mas também por falta de compreensão dos deveres inerentes ao pátrio poder”.
Testemunhos de época confirmam a perseguição que sofriam os amores homoafetivos de moças e rapazes: “homossexualidade era totalmente tabu. Não se falava sobre o assunto. Conheci algumas pessoas que na “boca pequena” se sabia que eram homossexuais, mas não se falava”, contou Sonia Jobim. Ou, como registrou Fernando Pitanga: “O menino que tivesse trejeitos mais efeminados no período acima citado sofriam muito preconceito. Inclusive corria o risco de ser currado, a depender da disposição de quem o maltratava. Eu mesmo dissuadi um colega de classe, quatro anos mais velho ( eu tinha 12 e ele 16) de agarrar um menino de nossa sala, que era muito efeminado. ” Pitanga, só vou botar ele para ch…”, disse o garoto. Aleguei que ele seria tão gay quanto o outro se fizesse isso pois se excitaria com a situação. Ele, ou por reflexão ou medo de ser difamado, desistiu. O menino logo depois saiu da escola por ser muito sacaneado por todos. Um autêntico caso de bullying dos anos 80. Gays eram severamente achincalhados nesse período, sobretudo por adolescentes. Não conheci nenhum nesse período que fosse assumido e continuasse a gozar do convívio dos heterossexuais. Ou Rodolfo Pereira: “A prática era bastante criticada pela sociedade como um todo e na escola, por exemplo, era comum os garotos implicarem com outros que tinham o perfil afeminado, rotulando-os de “gay”, “veadinho” e “bichinha””. Sobre São Paulo, Jairo Brás de Souza, acrescenta: “Por volta de 1968 – a gente passava na rua São Luis e Galeria Metrópole, no centro de São Paulo e deparava com uma multidão de gays. Não havia homofobia muito visível. E não se noticiava violência visível contra os gays”. E Magali Bargenton: Nossa! Homofobia era algo absurdo… e eu um imã para amigos homossexuais… os amigos de minha mãe até hoje estão presos a casamentos de fachada pois tinham que casar e constituir família, hoje quando um deles consegue se livrar da farsa, a sociedade de nossa pequena cidade se escandaliza, é o escarcéu, ainda estamos parados no tempo em algumas coisas”. Ou Lizir Arcanjo: “O homossexual era tratado como um leproso ou coisa parecida, do qual não se podia aproximar, sob pena de ser considerado seu igual. Sofri na pele esse preconceito por ter me tornado amiga de uma professora da disciplina que eu mais gostava e que veio a ser minha colega e amiga, depois que me formei e passei a ensinar na mesma universidade. Tomei conhecimento da sua homossexualidade, quando depois de uma aula, me aproximei ainda na sala, para comentar o assunto que havia sido dado. Um colega avisou-me, então, que eu não deveria conversar com a mesma porque se tratava de uma lésbica. Não entendi por que misturar uma coisa com a outra e não liguei. No entanto durante todo o curso, qualquer atitude mais rigorosa quanto à avaliação ou resposta dada em sala, sempre vinha o comentário: “ainda por cima é sapatona”, “aquela sapatona me deu nota baixa”, e assim por diante”.
Mas como se sentiam os jovens que amavam jovens do mesmo sexo? O relato autobiográfico do então adolescente cearense, Antonio Benevides Neto é realista : “Nas vezes em que pude experimentar e descobrir sensações tive logo que aprender a ocultá-las. Pois devido a inocência e a falta de noção do que significavam tal comportamento, logo deixei transparecer aos adultos, os meus interesses altamente reprováveis aos seus olhos, cheios de preconceitos […] Sendo assim, aprendi a fingir na mesma época em que aprendi a amar. Até mesmo para minha sobrevivência, visto que até ameaçado de morte eu fui pelo meu pai, caso ele “descobrisse” que eu era homossexual”.
Durante os anos em que cursava o Ensino Fundamental, Antonio foi acusado de “doença”. Ele tentou aceitar uma possível bissexualidade, na tentativa frustrada de afastar seu interesse por homens. Acreditava que “uma grande parte da sociedade se comportava dessa forma. Ou seja, vivenciava abertamente o matrimônio e os envolvimentos heterossexuais, enquanto em segredo satisfaziam seus desejos homossexuais”. Aos dezoito anos e para afastar suspeitas da família, entrou no Exército. “Essa nova imagem – ele conta – afastou as lembranças que eles guardavam daquele rapazinho efeminado de pouco tempo atrás […] um primo chegou a comentar orgulhoso, que eu estava com jeito de militar”. Mas, rapidamente, na caserna, Antonio identificou outros jovens que procuravam, como ele, ser discretos e se manter invisíveis aos olhos dos outros. Uma juventude de silêncios, angústia, rejeição, desejos secretos e secretamente aliviados. Porém, a consciência de que “ninguém pode escapar de si mesmo. Você pode até dar voltas, pode até se enganar. Mas um dia você se depara com o espelho. E o espelho lhe dirá quem você é”.
- Texto de Mary del Priore.