Por Natania Nogueira
Tenho repetido que a Escola pode ser espaço importante na conscientização para a preservação patrimonial. Não que seja o único. A consciência acerca da necessidade de se preservar a cultura de um povo, seja ela material ou imaterial, pode ser fundamentada nas práticas diárias e no diversos espaços frequentados pela comunidade. Ela pode acontecer numa associação de bairro, durante uma reunião, numa atividade promovida pela igreja ou culto religioso que se frequenta. Mas, acima e tudo, ela acontece quando despertamos para um sentimento de pertencimento que nos leva a valorizar aquilo que nos cerca.
Assim, a escola não é espaço exclusivo para se desenvolver a educação patrimonial e a valorização da memória, mas certamente é um espaço que pode, de várias formas, se tornar privilegiado para este fim. Como fazer isso? Depende muito do professor e dos objetivos que ele pretende atingir ao desenvolver uma atividade. Eu, por exemplo, comecei a trabalhar com preservação num impulso da juventude. Minha primeira atividade, em meados da década de 1990, envolveu alunos do Ensino Médio de uma escola estadual.
Duas vezes por semana eles se reuniam comigo.Durante duas horas, fora do horário de aulas e nós fazíamos higienização básica de livros e documentos antigos que a escola possuía. E não ficamos apenas nisso. Chegamos fazer a relação de uma série de objetos, que iam de máquinas de escrever antigas a rolos de filmes e projetores. Encontramos cartas e cartões postais esquecidos dentro de livros. Descobrimos a riqueza de uma biblioteca esquecida, que possuía volumes com mais de 100 anos de idade.
Meu objetivo era criar museu dentro da escola. Ambicioso, eu sei. Infelizmente, dois anos depois o nosso trabalho foi descartado. Um fracasso? Na época eu pensei que sim, hoje eu penso diferente. Para fazer o trabalho eu mobilizei jovens entre 14 e 16 anos de idade. Estes jovens ficaram extremamente irritados com o descaso que aquele patrimônio recebeu. Eles e elas haviam desenvolvido durante o projeto uma verdadeira afeição pelo seu local de estudo. Eles não viam mais a escola como o lugar onde eles tinham que permanecer durante um determinado número de horas por dia, um prédio com paredes de cor neutra, com salas de aula onde ficavam confinados e tinham que cumprir tarefas as quais eles não possuíam a opção de recusar.
A escola havia ganhado uma vida, um passado, uma história. Aquelas paredes guardavam uma memória. Eles eram capazes de reconhecer as mudanças arquitetônicas sofridas com o passar dos anos. Eles se questionavam de como eram as aulas há 50 anos antes, 80 anos antes deles nascerem. Eles começaram a se interessar mais pela escola, a ter orgulho de estudar ali a entender o valor daquela instituição para a cidade. Enfim, passaram a se sentir parte de algo que precisava ser preservado, lembrado. Hoje eu reencontro muitos deles, adultos que têm uma profissão, filhos, e eles estão sempre me relembrando aquele projeto realizado há quase 20 anos.
Os livros podem não ter sobrevivido (não todos) e muitos objetos foram lançados nos porões, mas a consciência pela preservação ficou. Assim, aquele que eu considerei meu primeiro fracasso foi, na verdade, o primeiro grande êxito que eu tive como professora. Realizei uma atividade de educação patrimonial (e na época eu nem sabia o que era isso), dentro da escola e fora da sala de aula.
Muitos anos depois, em 2007, eu me deparei com uma proposta semelhante que tinha o mesmo espírito. Tratava-se do projeto “Em busca da Memória Escolar”, desenvolvido pelo Centro de Memória e Educação, da Faculdade de Educação da USP (CMEFEUSP). Dentre as atividades desenvolvidas estava uma revista em quadrinhos que, em linhas gerais, mostra como é possível desenvolver um projeto de memória e preservação dentro da escola, de forma a não apenas mobilizar os alunos mas, também, professores, funcionários e a comunidade em sua totalidade. Uma proposta simples, com um material atraente que pode ter resultados extraordinários. Aliás, como veremos e outras oportunidades, a simplicidade pode ser a melhor resposta para os desafios que a sociedade contemporânea nos apresenta, dentro e fora das escolas.
Alunos separando documentos e higienizando livros (1986).
História em Quadrinhos – Em busca da Memória Escolar, 2007.
Bom dia Natania,
tudo bem?
Qual não foi a minha surpresa em ler seu texto. Nele, você diz tudo! Também fiquei muito feliz em saber sobre sua iniciativa de 1986. Há alguns “muitos” anos atrás (rsss), eu busquei experiências como a sua e quase nada encontrei. Gostaria de pedir sua autorização para divulgar essa matéria aos meus alunos e agradecer a sensível avaliação que você faz sobre a HQ “Em busca da memória escolar”. A avaliação de um professor com a sua experiencia é que mais importa no nosso trabalho.
Muito obrigada de coração!!!
Um grande abraço,
Iomar Zaia
(doutora em educação/arquivista) Autora da HQ “Em busca da Memória Escolar”
Gostei muito do artigo. Vejo agora o quanto é importante o trabalho que venho realizando para o resgate da memória do instituto em que ministro aulas. Trata-se da organização de um acervo de jornais que foram produzidos por alunos e/ou professores, da década de 40 do século passado até o momento presente.
Quem bom que está gostando dos textos, Osvaldo! É um estímulo para continuar escrevendo.
Belíssimo artigo, despertou em mim fazer um trabalho parecido com este na minha escola, resgatar a consciência de preservar a memória escolar.
Josiane, faça! Depois nos conte o resultado!
🙂
Olá, Natania!
Li atentamente seu artigo e tenho que parabeniza-la por sua atitude de incutir em seus alunos não só o prazer, mas também a consciência da preservação da memória.
Seu esforço não se perdeu; não foi um fracasso. Ainda que a escola tenha “jogado no lixo” todo um trabalho, ficou gravado no espírito de cada aluno a importância de se preservar o patrimônio. Isso é eterno.
Sou um fã dos seus artigos.
Um abraço.