Durante o período colonial, os diferentes grupos sociais tinham, cada qual, o seu modo de viver em família. Vejamos o caso da família do sargento-mor Francisco da Rocha Abreu, um representante das camadas médias urbanas, morador da cidade de São Paulo no século XVIII, então, uma sonolenta área de agricultura de subsistência e de passagem de produtos do litoral para o interior de Minas. Solteiro, ele vivia com Clara, também solteira, preta forra. Juntos há muitos anos, tinham vários filhos que educavam e alimentavam.
Certa ocasião, Francisco teve que partir para o sul a fim de lutar contra as forças espanholas que ameaçavam as fronteiras portuguesas. Sua companheira, que era conhecida na cidade pelo apelido de “Mãe Clara”, seguiu vivendo como já fazia. Vendia, num tabuleiro que levava à cabeça, frutas e ovos comprados nos sítios próximos à cidade. As pessoas interessadas compravam da janela de suas casas, sem sair à rua. Para aumentar a renda, Mãe Clara fazia também doces de goiaba e marmelo e mandava sua filha mais velha oferecer nas casas de família. Era comum ver Mãe Clara pelas ruas mais importantes ou nas praças, com o filhinho menor agarrado aos joelhos. As pessoas que se interessavam pelos produtos que ela vendia, negociavam muitas vezes pela janela de suas casas. Nem precisavam sair à rua para fazer compras. Quando Mãe Clara preferia ficar sentada numa esquina, oferecendo hortaliças ou biscoitos, um outro filho pequeno carregava o tripé sobre o qual ela depositava o tabuleiro e a ajudava a atrair os passantes e a abanar as moscas.
Por esse exemplo, podemos deduzir que os filhos de mulheres que ficavam sozinhas ajudavam suas mães no dia a dia. Alguém sempre ficava em casa vigiando o fogão a lenha, que se encontrava no quintal e não dentro de casa. Quem ficasse em casa tinha por tarefa dar milho à criação e lavar a roupa da família. Essa pessoa tanto podia ser uma filha mais velha, como uma parenta só e sem recursos. Podia ser ainda uma amiga, uma comadre ou mesmo uma escrava. A existência de escravos, em famílias pobres, não era incomum. Mulheres pobres, graças ao trabalho informal que realizavam, acabavam por reunir algum dinheiro que lhes permitia comprar uma escrava velha a quem encarregavam das tarefas domésticas.
É preciso lembrar que, nesses tempos, tudo se fazia a domicílio. As mulheres cortavam suas roupas e de seus filhos, costuravam bordavam e fiavam. Muitas vendiam seus panos e retalhos de costura também em tabuleiros. Os espaços de suas casas não serviam apenas como habitação. Servia, também, como local de trabalho, de lazer ou de manifestações culturais. Era em casa que se rezava o terço em louvor a um santo de devoção ou que se desenrolavam os preparativos para as festas religiosas: fazer doces, buquês de flores e fitas para enfeitar altares, bordar bandeiras de procissão.
Nas Minas Gerais, por exemplo, as casas de mulheres pobres serviam, ainda, de esconderijo para escravos fugidos e infratores. Quantas mulheres, suas filhas e comadres não comandavam as chamadas “casinhas”, onde, nas regiões de passagem pousavam tropeiros, onde os viajantes paravam para beber cachaça e jogar cartas. Nas cidades, as ditas “casinhas” vendiam “secos e molhados” – farinha, fumo, açúcar, charque – e serviam de ponto de encontro para conversar e contar as novidades. Lavar roupas nos rios, esfregando a sujeira com folhas de babaçu era outro tipo de atividade rendosa em que se empregavam as mulheres chefes de família. Na pintura de viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil no início do século sempre aparecem mulheres lavadeiras em plena função. Os filhos pequenos brincavam nas margens e as filhas maiores ajudavam a torcer e a bater a roupa limpa.
Como o sargento-mor Francisco Abreu e Mãe Clara, muitos sitiantes pobres nas zonas rurais também viviam concubinados. No interior da Colônia ou nos vilarejos litorâneos, organizavam-se em grupos para poder sobreviver, “arranchando-se” ou “principiando roças”. A concentração dos membros da família numa casa ou “fogo”, como então se chamava cada unidade residencial, era grande. Um exemplo é o de Joana da Silva, cega e muito pobre, e seu companheiro, Sebastião. Moradores de Ubatuba, no litoral paulista, viviam em 1801, com filhos e netos solteiros, mais um escravo velho de 65 anos, o Antônio. Todos plantavam mandioca sendo que dois netos pescavam tainhas e pescadinhas para vender na vila de Santos. Assim, nas famílias de camponeses pobres, escravos como Antônio complementavam a mão de obra. O mesmo acontecia com agregados, ou seja, parentes ou compadres pobres, que trocavam a força de seu braço, por teto e comida. O equilíbrio das famílias era fundamental para a sobrevivência do grupo. Os filhos, na maior parte das vezes, moravam nas terras dos pais e os ajudavam no plantio, colheita e comercialização. As mulheres ocupavam-se com os afazeres do dia a dia: fazer cerâmica, cuidar da criação, ajudar na roça, cozinhar,etc. – Mary del Priore.
“Costumes de São Paulo”, Rugendas.
Apreciei sobremaneira saber da existência deste espaço cibernético, que tem como escopo desvelar e refletir, com os vieses especialistas e tarimbados das autoras, fatos que deixaram marcas indeléveis na nossa história.
São iniciativas, como esta, que deixa patente como esta fantástica tecnologia virtual permite interagir com pessoas que a utilizam para difundir conhecimento e troca de ideias!
Caloroso abraço! Saudações aprendizes!
Até breve…
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver
PS – Aproveito o ensejo para solicitar um artigo que traga à baila usos e costumes relativo ao asseio corporal, principalmente na tenra idade, no tempo que éramos colônia do reino distante além-mar.
Também considero de bom alvitre um artigo que discorra a respeito do hábito de mastigar o alimento e dar aos bebês, que a Mary del Priori cita no esclarecedor livro de sua lavra “Condessa de Barral Paixão do Imperador”.
Obrigada, João Paulo. Já publicamos textos referentes aos temas citados por você, mas fica a sugestão para trazermos mais informações a respeito.