A violência já fazia muitas vítimas no início do século passado. Os jornais regurgitavam de “faits-divers”. Desde o médico que, para examinar uma jovem gorda e solteira, pedira-lhe para tirar a roupa, sendo morto pelo pai ultrajado, pois moça virgem “não se despe”, até o caso que presenciou Veríssimo: “percebi que o rapaz tinha as mãos em concha junto do baixo ventre, e vi no côncavo delas, escapando-se dum largo talho, os intestinos da pobre criatura, tripas nacaradas e gosmentas, tingidas dum sangue que lhe escorria por entre os dedos, manchando-lhe as calças de brim. … “Pegaram o bandido?” – perguntei ao delegado de polícia encarregado do caso. O homem me olhou com seus olhos mortiços e depois murmurou: “Já sabemos de toda a estória. Não se trata de nenhum bandido, mas dum preto descente, um ferroviário, bom chefe de família. Esse rapaz fez mal à filha dele e depois negou-se a casar com ela”. O rapaz não durou mais de dois dias. Morreu numa madrugada e …seu corpo saiu da farmácia dentro de um esquife barato de pinho sem lustro.”
Ou essa outra estória contada por Oswald de Andrade: “O rapaz era integralista. Como também fosse oficial, viu-se de repente reformado. E abandonou duas filhinhas e a mulher grávida de outra. Sem recursos, sem ninguém, a mulher teve o parto mais desgraçado do mundo. … A criança recém-nascida nas condições mais trágicas, tinha a esperá-la o leite amargo da mãe abandonada. Morreu aos nove dias. Ninguém havia para ajudar a que se fizesse o enterro. A mãe clamou aos céus surdos. Nada. Ninguém, Apenas lhe chegou uma oferta – entregasse o cadaverzinho para ser retalhado nas pesquisas do necrotério público. Alucinada, tomou uma gilete. Retalhou as vísceras da mortinha, pensando que assim poderia escapar a outra necropsia e ser afinal aceita num cemitério. Denunciaram o caso. E em nome de Deus, da Pátria e da Família a mãe amantíssima vai ser processada por profanação de cadáver”.
Ou dramas, como o que viveu José Lins: “Eu tinha uns quatro anos no dia em que minha mãe morreu. Dormia no meu quarto, quando acordei com um enorme barulho na casa toda. Eram gritos e gente correndo por todos os cantos. O quarto de dormir de meu pai estava cheio de pessoas que eu não conhecia. Corri para lá, e vi minha mãe estendida no chão e meu pai caído encima dela como louco. […] Vi então que minha mãe estava toda banhada em sangue e corri para beijá-la quando me pegaram pelo braço com força, Chorei, fiz o possível para livrar-me. Mas não me deixaram fazer nada […] “O doutor matou Dona Clarisse!” Por que? Ninguém sabia compreender”.
Suicídios não faltavam e Getúlio Vargas deu o exemplo: um tiro no peito. As pessoas tiravam a própria vida por desespero, amor ou fracasso financeiro. Humberto de Campos os registrou em seus Diários:
“São comuns os suicídios nas barcas de Niterói. Morando em Niterói há seis anos, já se deram dois (março 1928), de que fui testemunha. O primeiro foi há dois dias, por volta das onze horas da noite. Um homem residente no Rio, despedido do emprego, tomou a barca e, em plena baía, galgando o balaústre de tolda atirou-se ao mar…Anteontem assisti a segunda tragédia. Eram sete e meia da noite quando se ouviu na proa, o grito de alarma e dezenas de pessoas correndo, aflitas em direção a popa. – Ele estava num banco ao meu lado – informa um velhote vermelho – de repente caminhou para a proa, atirou isso no chão e jogou-se mesmo entre duas hélices”!
“Foi encontrado há dois dias, em uma das praias do Rio (paria das Virtudes), o corpo do ancião que se atirou ao bar da barca de Niterói em que eu viajava… Punho cerrado, o cadáver apertava nas mãos, nos dedos crispados como tentáculos, qualquer coisa. Abriam-lhe os dedos cerrados, enregelados pela água e pela morte. Era uma imagem de São Sebastião”.
- “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3), de Mary del Priore. Editora LeYa, 2017.
Observa-se que, naqueles tempos, havia bom estilo e certa elegância, mesmo que fosse para veicular eventos desagradáveis!