Há milhares de brasileiras na terceira ou quarta idade. A idosa é sobretudo uma lutadora. Há muitas que não se resignam a reduzir a atividade física ou o trabalho físico e intelectual: “Posso desejar desejos bastante bons de viagens e ajudar minhas filhas quando elas precisam”, diz uma professora aposentada. Outra, pintora, dá aulas numa escola particular e no ateliê, complementando a renda da aposentadoria. A maior participação de mulheres com mais de sessenta anos no mercado de trabalho indica que elas estão com saúde.
Outras encontram na dança de salão, no teatro, na filantropia, no jogo de cartas, no artesanato, nas palavras cruzadas seu desafio. As atividades escolhidas, direta ou indiretamente, são o símbolo da juventude, dizem gerontologistas. Muitas optam pela ginástica, pelo Pilates ou Tai Chi Chuan. Nas cidades, onde há espaços públicos para práticas de exercícios, elas são visíveis. Os grupos se movimentam com extrema delicadeza; os corpos se dobram aos movimentos impostos pela professora. Na coleira, cães atentos observam as donas. Seguem com os olhos aflitos o balé possível dos corpos. Nas mesas de cimento, o jogo corre solto. Uma cesta pousada no chão garante o lanche, que será repartido. Algumas preferem caminhar – não importa como – juntas. Outras o fazem também, mão na mão do companheiro.
Nessa fotografia, o tempo é outro. Lento, ele perturba os ritmos da cidade, mergulhada em velocidade. Fora dessa tela macia, a rapidez triunfou como forma de conquista do espírito e da civilização. Onde os pássaros outrora voavam, hoje domina o jato. Sob monstruosos abismos marinhos, pairam engenhocas flutuantes. Na terra, tudo foi criado para anular o passo cadenciado e firme do homem. No terreno metafísico, a velocidade poderia ser pensada como fator auxiliar da vitalidade. Ser rápido significa estar vivo “mais tempo”. A rapidez, assim como o primeiro passo na La, marcou a chegada a um novo mundo. Uma fratura separa o mundo lento do acelerado.
Na outra ponta, idosas criam frequentemente os netos. Guardam a casa, para filhas ou noras trabalharem. São chefes de família, fardo da mulher pobre desde sempre. Outras, mais domésticas, contentam-se em receber para o almoço de domingo, em cozinhar guloseimas, costurar e fazer tricô. Organizam a aposentadoria de modo a tentar não deixar faltar nada. Lembram a agenda de aniversários, festas religiosas e datas como o Natal e a Páscoa. São elas a memória do tempo que passa e daqueles que vêm e vão: nascimentos, casamentos e enterros.
Todas correspondem a uma parcela da população brasileira, à qual é negada a visibilidade social. Não rebolam nas revistas nem nas telas; não precisam de bisturis nem de silicone. Têm outra beleza, imune à velocidade excessiva, lúdica e trágica. Cada ruga conta uma bela história de vida. São nossas velhas. Somos nós, amanhã, herdeiras, infelizmente, de uma sociedade cujos valores mais importantes são a juventude e o progresso.
Inventado nos anos 1960, o conceito de “aposentadoria” permitiu empurrar para bem longe as verdadeiras marcas da idade. O futuro renasceria cor-de-rosa. Atividade, dinamismo e vitalidade seriam a tônica de segundas carreiras escolhidas para participar, outra vez, da corrida da vida. Há, contudo, um momento em que se chega ao país das cabeças brancas. Embora sua população aumente nas estatísticas, não temos para ela serviços nem projetos. Pior. Na terra dos “mais turbinados”, eles significam “menos”: menos capacidade física, menos vivacidade intelectual, menos tudo.
Muitas dessas mulheres não estão em parques, jardins ou praias, mas dependentes e condenadas a receber, de outrem, o que lhes falta. Ler, contudo, esse momento da vida como um acúmulo de perdas é um equívoco. A velhice, ao contrário, é uma rica e longa história de singularidades. Em nossa louca corrida, o valor simbólico da idade só pode ajudar a aprender a envelhecer. Chega de eufemismos tipo “quarta idade”, que só revelam nossa angústia diante de um processo ao qual podemos e devemos dar um sentido. Caminhemos, sem medo, para a lentidão – lentidão que, como diz o filósofo, esposa a eternidade.
O historiador francês George Minois fez um estudo sobre os idosos na sociedade inca do Peru. Ele descobriu informações interessantes sobre o envelhecimento em outra sociedade. O Estado inca, que funcionava como espécie de grande família do chefe inca, procurou atribuir um papel especial aos idosos. Sociedade extremamente organizada, cada um tinha ali seu papel, como as formigas em um formigueiro. Embora antes do século XII os indígenas matassem e comessem os velhos, a partir da conquista do chefe Manco Capac, nesse século, uma nova organização foi estabelecida, oferecendo aos idosos toda a segurança. Recenseados a cada cinco anos, eles eram repartidos por idade: dos cinquenta aos setenta, dos setenta aos oitenta ou mais, demonstrando que a longevidade era normal. Havia a classe dos que “andavam com facilidade”, dos “desdentados” e dos que só queriam comer e dormir. Registros da Igreja católica em certos vilarejos, a partir de 1840, comprovam que existia uma forte proporção de centenários que fumavam, bebiam e tinham uma surpreendente atividade sexual.
Numa sociedade sem escrita, os idosos possuíam o papel de arquivos vivos. Eram conselheiros de soberanos, e cada tribo enviava ao chefe inca um conselho informal, a fim de guiá-lo em suas decisões. As mulheres idosas tinham o papel de médicas, enfermeiras e parteiras. Eram também sacerdotisas no templo do Sol, em Cuzco. Os idosos do povo eram cuidados pela comunidade. Os lavradores trabalhavam suas terras gratuitamente e lhes levavam alimentos. Recebiam também grãos dos armazéns do chefe inca. Um tributo especial, na forma de corveia, ou seja, de trabalho obrigatório, consistia em fabricar roupas e sapatos para os idosos, que estavam também livres de pagar impostos a partir dos cinquenta anos. Uma sociedade assim foi apresentada como utópica aos europeus, tendo efeito importante na imaginação de homens e mulheres entre os séculos XVI e XVIII. Segundo essa sociedade, cada um tinha um papel que era exercido em beneficio da comunidade. Não é à toa que os europeus acreditavam ter se escondido a flor da juventude, aquela que Deus teria plantado no paraíso terrestre, nas montanhas andinas: exatamente entre o Peru e o Equador.
- Texto de Mary del Priore. “Histórias e Conversas de Mulher”, Editora Planeta, 2013.
“O tempo, as velhas”, de Francisco Goya.