“Dizem que o amor faz grandes obras. O ódio também poderá fazê-las; mas, para isso, como no caso do amor, é preciso conter-se”, Lima Barreto, diário pessoal.
Em 1904, eclodiria no Rio de Janeiro um dos movimentos populares mais importantes da República Velha: a Revolta da Vacina. O episódio é esclarecedor, pois, nos mostra um país em fase de transição, passando por mudanças e transformações. A República veio com o ímpeto de fazer do Brasil uma nação moderna, sem os arcaísmos do Império, com um povo trabalhador, limpo, honesto e, de preferência, branco. O que fosse feio, pobre, sujo ou doente deveria ser exterminado.
Para começar era preciso retirar dos centros das grandes cidades essas pessoas indesejáveis, suas habitações imundas, seus maus hábitos. E foi isso que fez o prefeito Passos com o Rio de Janeiro. Grandes obras, derrubada de cortiços, perseguição aos vadios e à cultura e religiosidade populares. Nesse contexto violento, em que a população mais pobre se sentia acuada e sem perspectivas, começa a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola, capitaneada pelo sanitarista Osvaldo Cruz. Sem ações educativas ou de conscientização e com métodos autoritários, a medida revoltou os moradores, insuflados pela oposição:
“Nos três dias seguintes, a rebelião ganharia vigor inimaginável, prorrompendo a multidão dos amotinados numa fúria incontida. (…) As autoridades perderam completamente o controle da região central e dos bairros periféricos, densamente habitados por grupos populares. As tropas eram expulsas dessas áreas(…)”. Nicolau Sevcenko, “A Revolta da Vacina”, Ed. Cosacnaify, 2013.
Como sempre, o resultado foi negativo para o movimento popular. As autoridades reprimiram com violência os revoltosos. Houve mortes e punições. Grupos foram desterrados para a Amazônia. Expulsavam-se os indesejáveis, de um jeito ou de outro. Como destaca Sevcenko:
“Entra em vigor um estilo de vida novo e cosmopolita, que a burguesia vitoriosa implantou e definiu ao longo de sua trajetória consagradora, pelo século XIX afora, e que só se fixou com características mais marcantes no Brasil no início do século XX“.
Leitura obrigatória para entender o Brasil republicano e muitos valores que permanecem até hoje, a obra do historiador e professor Nicolau Sevcenko sobre a Revolta da Vacina que foi reimpressa recentemente) é de uma atualidade impressionante. Nos dias atuais, permanece a obsessão por tirar os miseráveis, os doentes, os “bandidos” de nossas vistas, e tais objetivos continuam dando a direção de muitas políticas públicas e urbanísticas. – Texto de Márcia Pinna Raspanti.
Nicolau Sevcenko, “A Revolta da Vacina”, Ed. Cosacnaify, 2013.