Em um período em que se misturavam casamentos por interesse e concubinatos com ou mucamas, a prostituta tornou-se necessária. O adultério masculino era, nesta lógica, necessário ao bom funcionamento do sistema. As mulheres ocupavam-se da casa e iam à igreja; os homens, bebiam, fumavam charutos e se divertiam com as prostitutas. Mas quem eram estas mulheres? É José de Alencar, em seu romance Lucíola, de 1862, quem nos mostra como identificá-las. A cena se passa no adro de uma igreja onde Paulo, recém-chegado à Corte é apresentado à Lucia por um amigo comum:
“Quem é esta senhora? Perguntei a Sá
A resposta foi um sorriso inexprimível, mistura de sarcasmo, de bonomia e de fatuidade, que desperta nos elegantes da Corte a ignorância de um amigo, profano na difícil ciência das banalidades sociais.
– Não é uma senhora, Paulo! É uma mulher bonita. Queres conhecê-la?…”
O diálogo reproduz com nitidez fotográfica as discrepâncias do período. Ao afirmar que Lúcia não é uma senhora, Sá a desqualifica moral e socialmente; mas, ao dizer, o contrário que é uma mulher bonita, está sugerindo que beleza, erotismo e prazer encontram-se, apenas, em mulheres perdidas. Prazer e instituição não podem ser encontrados juntos nesse universo de convenções e repressões que se chama a “boa sociedade”. A beleza vista na prostituta era a das mulheres dos salões. Ela reforça o preconceito e o cinismo dos jovens aristocratas e burgueses: com moças pobres canalizavam desejos, divertiam-se e davam escapadelas rápidas; com sinhás de salão, postavam-se de joelhos, recitavam versos de amor cortês e respeitoso até que se consolidasse um bom casamento.
Bordel era sinônimo de “rendez-vous”, “maison-close”, lupanar. Ali, o deboche era espetáculo e o prazer, efêmero e pago. O bordel era o teatro onde se encenava o simulacro do eterno desejo, o espetáculo de uma transgressão protegida e controlada. Considerado por uns uma fábrica de fantasias eróticas e por outros, uma cloaca onde se despejavam imundícies, o bordel foi o espaço em que os prazeres menos confessáveis afloravam escondidos de toda publicidade.
No início do século XIX, o número de mulheres públicas aumentaria, no entender de estudiosos. E para esse aumento, a presença de imigrantes açorianas colaboraria decisivamente. Em 1845, num estudo sobre A Prostituição, em Particular na Cidade do Rio de Janeiro, o médico Dr. Lassance Cunha afirmava que a capital do Império tinha diferentes classes de meretrizes: as aristocráticas ou de sobrado, as de “sobradinho” ou de rótula, e as da escória. As primeiras instaladas em bonitas casas, forradas de reposteiros e cortinas, espelhos e o indefectível piano, símbolo burguês do negócio. Uma cortesã famosa era signo de poder para quem a entretivesse.
Entre os dois grupos as diferenças se estabeleceram rapidamente. Havia as cocottes e as polacas. As primeiras, representando o luxo e a ostentação. As segundas, substituindo mulatas e portuguesas, representavam a miséria. “Ser francesa” significava não necessariamente ter nascido na França, mas frequentar espaços e clientes ricos. Ser polaca, significava ser produto de exportação do tráfico internacional do sexo que abastecia os prostíbulos das capitais importantes e… pobre.
As segundas, meretrizes de sobradinho, também trabalhavam em hotéis, localizados em Botafogo ou Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Aí o roceiro rico, o filho do senhor de engenho, o rapaz de fortuna encontravam não só estrangeiras como mucamas ou mulatinhas, ainda de vestido curto, meninotas ou meninas. À noite, esperavam clientes ao longo das paredes nas avenidas mais importantes, mercados e praças. Por que casas de costureiras? Porque era comum que mulheres que tinham este ofício, assim como tintureiras, lavadeiras e cabeleireiras conservassem seu trabalho embora tivessem ligações passageiras. – Mary del Priore
Henri de Toulouse-Lautrec: “Salão na rue des Moulins” e “A Ruiva”.
Pesquisando Registros Akáshicos – não vem ao caso explicar o porquê – cheguei ao termo cortesã. Cortesã no tempo do Império no Brasil era o que eu procurava. Fui dar uma espiada sobre putas portuguesas que teriam vindo com a Corte e fiquei a ver navios. Tudo tão vago, tão velado… este véu precisa ser retirado. Agora me sinto bem à vontade para usar o termo sem estrangeirismo, depois que, conversando com um amigo motorista de táxi eu falei “sabe… aquele bordel?” E ele respondeu: “sei, aquele puteiro”… A prostituição NÃO é um mal necessário. “Profissão” uma ova. É só um mal conveniente aos homens. Que se acabem com todos os puteiros possíveis, é o meu sonho de vida. E o de muitas mulheres. Acreditem…