Diversão para os escravos

Os escravos não ficavam alheios aos momentos de lazer. Numa época em que este conceito não estava totalmente desenhado, não faltavam oportunidades para misturar diversão e trabalho, apesar da exploração e da pobreza material em que viviam. A historiadora Mary C. Karash, em seu A vida dos escravos no Rio de Janeiro, revela muitos destes instantâneos de diversão. Depois do almoço, era a hora de apanhar o instrumento africano, fabricado com os materiais encontrados na cidade, extraindo-lhes sonoridades. Um casal sentado junto, ao som extraído da marimba, revivia “lembranças de casa nas canções de sua terra natal”, anotou o viajante americano Thomas Ewbank. Os tambores serviam como linguagem de comunicação. No trabalho, os escravos usavam instrumentos da profissão para fazer música: o chocalho como acompanhamento de peças pesadas era comum.

Segundo Karash, os escravos cantavam em todas as ocasiões possíveis. Embora tais coleções de música não tenham sobrevivido há informações sobre a capacidade que tinham os cativos de improvisar com palmas e vozes. A dança vinha junto. Diz Karash, “assim que dois ou mais começavam a dançar, outros se juntavam ao grupo”, com “todas as variedades concebíveis de contorções e gesticulações”, segundo observou, em 1890, o viajante inglês Robertson. Nas senzalas ou nos zungus, pontos de reunião, espalhados pela cidade, não faltavam os batuques, que muitos estudiosos percebem como o berço do samba. Duelos de trabalho, notadamente, entre as raspadeiras de mandioca, que se desafiavam sentadas nas tulhas e casas de farinha eram outra maneira de se divertir trabalhando.

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Nas horas vagas, nas fazendas e engenhos, ou na cidade, dedicavam-se a feitura de belos objetos funcionais, religiosos e decorativos. Os urdidos com fibras naturais eram os mais comuns: esteiras, cestos, chapéus de palha e capas. Na tecelagem decorativa, os angolanos se revelavam artistas excepcionais.

Os cuidados com a cabeça, o corpo e os dentes também os ocupava. As cuidadosas escarificações no rosto e braços, assim como os engenhosos penteados, revelavam a pertença de cada indivíduo a um grupo étnico e religioso ou estado civil. A confecção de colares com contas, búzios e amuletos mágico-religiosos vindos da África, ocupava-os longamente. E a variedade de estilos de dentes limados e cortados revelam, igualmente, a importância dada à aparência como forma de identificação.

Atento, Câmara Cascudo detectou um jogo muito praticado entre os cativos. Trata-se do Ai-I-Ú: um jogo africano de tabuleiro, com frutos escuros. As doze partes côncavas de um tabuleiro recebiam pequenos frutos, retirados ou alocados numa tradição conhecida em quase todo o continente africano. – Mary del Priore

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Escravos, de Rugendas.

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