Em uma pesquisa realizada pela psicóloga Joana Novaes, em que se perguntava por que as mulheres “malhavam”, elas responderam:
“Na moda atual conjugamos roupas ínfimas e corpos secos destituídos de qualquer gordura. Para meu desespero, gordinhas não são apreciadas!”
“Para lutar contra a lei da gravidade, meu bem…’
“Vivo e função disso. Igual a criança quando vicia nas coisas”
“Gostaria de ser do tipo de mulher que acredita que idade é um estado de espírito…”
“Porque a competição hoje é foda”
“Isso aqui é a minha dose diária de injeção no ego”
“Sabe que eu me acho o máximo? Quando eu vou a praia e olho aquelas garotas de 20 anos cheias de estrias, flácidas e a bunda coalhada de celulite, e eu não tenho nada disso…”
“Para ficar gostosa”.
Nos anos 80 e 90, longe de prometer uma compensação à mulher, a busca da parecia sublinhar sua frustração e impotência face à imagem ideal, diz a psicóloga. Aprisionada às máquinas das academias de ginástica, ao “personal trainer”, às drogas anabolisantes, essa mulher se via como escrava da imagem de Barbies, Xuxas, Galisteus e outras artistas louras da época. Antes, é bom não esquecer, os modelos de beleza eram outros e quem dava as cartas eram as morenas curvilíneas. Nas capas de O Cruzeiro ou Realidade, eram o símbolo da sensualidade e da beleza feminina.
Mas em busca de outra imagem, a modelo carioca Marinara explicava: “Levei menos de dois anos para esculpir meus músculos e, além de musculação, gosto de dançar e pedalar. Depois dos 30 anos a mulher precisa se cuidar. A tendência é ela ter um corpo cada vez mais definido, mas é preciso saber dosar para não ganhar uma silhueta masculina. A Madonna é um exemplo de corpo ideal”.
Respondendo às questões de Joana Novaes, muitas mulheres mostravam-se participantes deste modelo:
“Minha auto estima melhorou muito com esse lance de preocupação com o corpo. Mas não é só isso. É toda uma postura, uma forma de encarar a vida sempre light, contra o baixo astral. Isso tudo acredito que tenha ajudado a atrair mais homens, sobretudo, os gatinhos mais jovens”.
“Quando venho malhar e mantenho o meu peso ideal tá tudo azul, saio, me divirto, levo uma vida normal. Quando não, é depressão na certa, não me relaciono nem com meus filhos”.
“Ah! Mas isso tudo não é para agradar os outros … é para eu me sentir melhor comigo mesma, mais feliz. É felicidade irrestrita, entende?”
“Jamais vou alcançar Luana Piovanni, Adriane Galisteu e Feiticeira!”.
Segundo Novaes, para as entrevistadas (mulheres na faixa etária entre 16 e 48 anos), “malhar” estaria associado à saúde, porém o conceito de saúde referia-se ele mesmo, às melhorias estéticas. Por detrás dessa associação, a psicóloga percebia existir a construção de uma identidade feminina calcada quase que exclusivamente na montagem e escultura desse novo corpo. Ou seja, um corpo cirúrgico, esculpido, fabricado e produzido, corpo que seria centro das atenções e objeto fetiche de consumo. A beleza nesse contexto, explica Novaes, deixava de ter como função mostrar as características essenciais das mulheres e passava, cada vez mais, a seguir modelos menos diferenciados entre homens e mulheres – o modelo andrógino. É na “bundinha definida”, ou seja, no bumbum arrebitado e bem trabalhado, que se cruzavam dois ideais: o de valorização masculina de beleza de uma parte do corpo e a construção social da feminilidade enquanto corpo. A mulher ficava, conseqüentemente, diante de dois modelos inatingíveis: o primeiro referido ao modelo masculino do corpo – anatomicamente impossível de ser alcançado. O segundo, referido às modelos fotográficas. Sim, pois o que as fotografias propunham eram corpos idealizados, abstratos, inatingíveis e mesmo eternos. Corpos que não eram submetidos à dor, ao envelhecimento e muito menos à morte. Prisioneira do mito da juventude eterna, a brasileira se tornava prisioneira em seu próprio corpo. “Estar em forma” era fetiche que mudou as formas de viver e pensar, inaugurando condutas que se estenderam, às camadas subalternas da população. As academias, nos bairros chiques, conviviam com sucedâneos em favelas, segundo Joana Novaes.
Texto de Mary del Priore.

Nos anos 20, o exercício se torna sinônimo de saúde e beleza. Imagens: “A Moda da Década de 20”, Publifolha.
Referências bibliográficas:
NOVAES, Joana de Vilhena Novaes. Corpo e Prazer: o corpo do consumo e o consumo do corpo. Mimeo, PUC/RJ, 1997.
______. O intolerável peso da feiúra sobre as mulheres e seus corpos. Rio de Janeiro: Editora PUC/Rio e Garamond Universitária, 2006.