Os engenhos e as fazendas tinham inúmeras indústrias caseiras tocadas exclusivamente por mulheres: a do preparo da rapadura, aguardente e melado. A da mandioca. A do algodão do qual se fazia roupas de escravos, lençóis, sacarias e outros misteres.
“Feita em peneiras, a colheita dos ‘capulhos’ em sacaria, era transportado o produto para casa, onde, nos terreiros, cuidadosamente se ultimava a seca. Para a separação das sementes, usavam-se umas engenhocas pequenas mas muito bem feitas, todas de madeira, denominadas descaroçadeiras, as quais, lateralmente, eram acionadas por duas negrinhas, ficando outras duas encarregadas de alimentar os cilindros e de retirar o algodão livre. Em seguida, era este entregue as fiandeiras – escravas de grande prática no perfeito uso das cardas, dos fusos e das rocas, das quais se obtinha toda a fiação que era, com efeito, excelente. Obtida ela, eram os fios regularmente distribuídos nas varias peças de tear – máquina engenhosíssima, toda de madeira e acionada por uma única pessoa, a qual por sua vez movimentava a lançadeira! O tecido assim conseguido era muito bem confeccionado e, mais ou menos, da largura de quatro palmos”. (descrição de Everardo Valim Pereira de Souza)
O mesmo tear era também utilizado para uma outra tecelagem; a da lã, proveniente das ovelhas criadas nas próprias fazendas, de acordo com as necessidades. Empregava-se aquele artigo principalmente na confecção de mantas ou cobertores, de timões ou japonas para a proteção dos escravos contra a quadra fria do ano. E diga-se a verdade, no referido gênero de tecelagem havia certa dose de arte africana, na distribuição das cores da padronagem.
Outra indústria, embora de pequeno consumo, era a do anil extraída da planta índigo. Colhidos os pequenos legumes em época própria, juntamente com os galhos, eram geralmente socados em um pilão comum e, em seguida, postos em maceração em água proporcionada; esta era diretamente usada na clarificação das roupas. Para a tintura de tecidos usava-se também graúna, urucu, sobragi, genipapo, catuaba e outros. A tinturaria caseira consistia em tachos de cobre fervendo líquidos no qual se mergulhavam pedaços de madeira, pedras ou folhas. Uma tintureira vigiava a coloração negra obtida com a graúna, boa para vestir luto; o amarelo, para tingir camisas de trabalhadores, pois custavam mais a sujar e assim por diante.
Outras pequenas indústrias que ocupavam o dia a dia: a fabricação de velas com aproveitamento de sebo dos bovinos e ovinos abatidos para a alimentação. A do sabão de cinzas, preparado com gorduras, sais de potassa e cinzas de plantas especializadas, de preferência pau-d’alho ou Guararema. As candeias consumiam o “azeite feito em casa” proveniente da mamoeira ou da carrapateira. No dia de fabricação deste azeite, desde cedo, um tacho de cobre era posto sobre uma trempe, aquecido por pequena fogueira. “A um canto, negras socavam nos pilões as sementes da mamona que se viam em cestos alinhados, cheios de bichinhos de conta formados pelos caroços debulhados dos cachos, serviço para o qual se tinham reunido os negrinhos de mandrião, durante horas de risos e de gritos. Dentro em pouco, as maçarocas produzidas pelos pilões foram jogadas na água que começava a ferver, e a cozinheira aproximou-se muito séria, com a solenidade dos mestres, para dar uma mexida na panela, a comprida colher de pau mantida pelas duas mãos. Grandes bolhas se abriam na superfície da água e o ruído surdo da fervura enchia toda a enorme sala com seu murmúrio”, relata-nos Cornélio Pires. A farinha de milho ou fubá, por sua vez, obtinha-se da moagem do cereal, feita em moinhos de pedra sobre rodinhas, acionados a forte jato d’água. Quanto à preparação da raiz de mandioca, Rugendas pintou o interior de uma casa de farinha, com mulheres manipulando um rodo sobre a chapa quente.
Além disso, multiplicavam-se profissionais em ofícios de necessidade: “modistas, que teriam feito aprendizado na casa de uma modista da Corte, encarregadas do vestuário de sinhás, sinhás-moças e sinhazinhas. As cozinheiras que dividiam com os cozinheiros as respectivas especialidades; as biscoiteiras. As mucamas arranjavam quartos e alcovas; além disso serviam banhos em bacias de cobre e pela manhã, levavam em bandejas o clássico café com leite, gemada ou chocolate, acompanhada de gulodices. Havia “mucamas especializadas” que tomavam conta de tudo concernente a uma pessoa, encarregando-se nas horas vagas de contar estórias às crianças, de dar-lhes cafunés. Uma coorte de crioulinhas costurava, fazia os serviços leves e pela tarde, areava as bacias, utilizando-se da cinza de Guararema e de limões meio partidos. Não faltavam boticárias e enfermeiras para o preparo de mezinhas e remédios caseiros, como já foi dito, além de parteiras que aparavam e enterravam umbigo de criança no jardim.
– Mary del Priore
Pequena moenda de cana, Debret.
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