Nos anos 80, o debate sobre a violência contra as mulheres, abriu portas para que se abordasse aquela contra as prostitutas. Vítimas de cafténs, policiais e clientes, mas, também da doença, elas começaram a se organizar. Surgiram movimentos sociais para proteger as “trabalhadoras do sexo” ou o “comércio do sexo”. E a preocupações morais e sanitárias evoluíram para questões como cidadania e direitos.
Após a realização, em 1987, do I Encontro Nacional de Prostitutas, na cidade do Rio de Janeiro, a estratégia para garantir o reconhecimento público da profissão e a cidadania das “profissionais do sexo” foi a criação e a legalização de associações em diferentes estados. Dois anos depois, durante o II Encontro Nacional de Prostitutas, nasceria a Rede Nacional de Profissionais do Sexo. Nos anos seguintes, um conjunto de entidades foi criado nos diversos estados brasileiros.
Em outubro de 2.000, a revista Época elaborou uma série de reportagens sobre as “Prostitutas do século XXI”. Se antes, o ofício nascia da miséria, da falta de oportunidades, da migração interna e da promiscuidade, as coisas mudaram. Uma das entrevistadas dizia ansiar por fazer 18 anos para assumir, sem documentos falsos, sem a condição de vítima, a condição de prostituta. Escolhera comercializar o corpo, atraída por dinheiro. Seu namorado era o “empresário” e decidiu que ela deveria aprender inglês para negociar com clientes estrangeiros. Ao despedirem-se, na porta do local de trabalho, ela e ele trocavam juras: “eu te amo”.
Cafetinas entrevistadas explicavam que as cidades grandes atraíam meninas do interior. Elas ajudavam a família e para que não houvesse desconfiança do métier exercido, usavam dados mentirosos. Atraídas pela clientela VIP, muitas delas faziam carreira e uma vez a “profissão” abandonada, casavam, mudavam e montavam negócios próprios. Não era, contudo, a realidade de todas. “Pisteiras” arriscavam suas vidas à beira de estradas movimentadas, muitas delas, menores. No Centro-Oeste e Sul prevalecia a exploração em prostíbulos na rota do narcotráfico, redes de bordéis fechados, exploração de meninos e meninas de rua e denúncias de tráfico de crianças. O jornalista Gilberto Dimenstein as registrou nas áreas indígenas, sendo trocadas por cachaça, remédios, roupas e comidas. Nos garimpos, do Norte, mal menstruavam, meninas eram encaminhadas aos bordéis. As condições eram terríveis: leilões de virgens, venda e tráfico de crianças e adolescentes, desaparecimento e cárcere privado e turismo sexual. No Nordeste e Sudeste prevalecia o último com rede organizada de aliciamento, que incluía agencias de turismo, nacionais e internacionais, hotéis, taxistas e comércio de pornografia.
Segundo relatório da ONU, em 2001, havia 100.00 mulheres e crianças sexualmente exploradas, no Brasil. A vida destas pessoas, pouco mudou de lá para cá…Em 2003, o deputado federal Fernando Gabeira apresentou um Projeto de Lei tendo em vista o reconhecimento da prostituição como um “serviço de natureza sexual” e a legislação trabalhista tratou de inserir a atividade de profissionais do sexo como parte da Classificação Brasileira de Ocupações. Dos bordéis às boates e casas de massagem, e destas para as telas do computador, a prostituição confirma ser a mais velha e maleável profissão do mundo.
- Texto de Mary del Priore.

“Jovem seminua”, de Oscar Pereira da Silva.