Moda e vaidade no Brasil Imperial

A moda e a indumentária constituem uma importante fonte de pesquisa para aqueles interessados em conhecer melhor a cultura e sociedade de épocas passadas. Este artigo busca apresentar um panorama do período imperial no Brasil, por meio dos “modos e modas” que marcaram aqueles tempos e que acompanharam as grandes mudanças políticas, econômicas e sociais. Roupas, acessórios, joias e penteados podem nos ajudar a desvendar como se comportavam as pessoas dos séculos passados, a sutileza de seus costumes e os códigos secretos da vida em sociedade.

O período imperial começa com a oficialização da emancipação política brasileira, em 1822. O acontecimento é resultado de um processo lento de desagregação do sistema colonial português. A chegada da Família Real Portuguesa, em 1808, que transferiu a sede do império lusitano para as terras coloniais, e a sua partida, em 1821, em consequência da Revolução do Porto de 1820 e da convocação das Cortes, mudou o cenário político brasileiro de maneira irreversível. A ruptura – ainda que relativa na opinião de muitos historiadores – seria o próximo passo: D. Pedro I (1798-1834) assume o título de Imperador do Brasil.

Dona Maria I, Rainha de Portugal, por José Leandro de Carvalho, 1808.

Dona Maria I, Rainha de Portugal, por José Leandro de Carvalho, 1808.

Na moda e no vestuário, este processo também causou impactos diretos, já que, com a abertura dos portos às nações amigas, em 1808, a Colônia foi invadida com artigos importados, principalmente ingleses, dando novo fôlego à vaidade dos homens e mulheres de então. Mesmo com acesso aos itens de luxo, os moradores das terras brasileiras não eram considerados muito elegantes pelos viajantes. D. Pedro I, apesar de ter sido um homem atraente, também não ficou particularmente conhecido pela elegância no vestir e nas maneiras. A francesa Rose Freycinet, em visita ao país em 1817, não faz um retrato muito favorável do então príncipe de Portugal:

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“O príncipe real é alto e bastante bonito, mas suas maneiras são péssimas e a sua pessoa vulgar. Vestia-se, na ocasião (uma missa na capela real), com um fraque marrom e uma calça de nanquim, traje bastante ridículo para as 8 horas da noite, numa grande festa pública”.

A moda feminina era dominada pelos franceses, a masculina tornou-se “inglesada”, como diziam os lusitanos. Os ingleses detinham a venda de artigos para homens, concentrando-se nas ruas Direita e da Alfândega, no Rio de Janeiro. Além de tecidos para “senhores finos”, comercializavam “fatos feitos”, meias e lenços de seda, luvas, casacas, chapéus, coletes de sedas e de tecidos mais ordinários, gravatas, jaquetas, espingardas e pistolas, artigos para montaria. As cores eram escuras, com muito azul e preto, mas alguns itens coloridos eram trazidos ao Brasil e tinham boa aceitação entre os cavalheiros.

Modas francesas, século XIX.

Já os franceses ocuparam a Rua do Ouvidor. Era uma infinidade de lojinhas e maisons, que ofereciam todos os mimos até então inimagináveis às brasileiras: roupas, tecidos, perucas, luvas, lenços, sapatos, águas de colônia, cosméticos, leques, bijuterias, meias, espartilhos; enfim, tudo o que havia de mais chique. Os chapéus passaram a ter lugar de destaque na indumentária feminina. As mulheres de classe mais alta se orgulhavam em exibir tais adereços ricamente adornados por tecidos finos, flores, penas, fitas e outros enfeites.

No século XIX, os vestidos usados pela imperatriz francesa Josephine, mulher de Napoleão Bonaparte (1769-1821), com o novo modelo império (cintura mais alta, logo abaixo do busto), feitos de tecidos finos, transparentes e mangas bufantes, tornaram-se moda em quase toda a Europa e chegaram ao Brasil. O modismo, porém, não durou muito: as saias rodadas, sustentadas pelas crinolinas (armações redondas de crina de cavalo, barbatanas de baleia ou arame retorcido), voltaram com toda a força, ainda na primeira metade do século XIX. Os pés se esconderam novamente sob as saias, que podiam ser adornadas por cascatas de babados, no caso das mais jovens. O espartilho voltou a reinar. Os penteados eram formados por cachos, à europeia. O xale ainda era indispensável na indumentária feminina, inclusive entre as mulheres mais pobres.

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As transformações políticas foram frequentes neste século. Chega ao fim o Primeiro Reinado, estouram as revoltas regionais, estabelecem-se as regências, D. Pedro II (1825-1891) é coroado em 1841, iniciando o Segundo Reinado. Além da capital Rio de Janeiro, Recife, Olinda e Salvador eram polos mais importantes econômica e socialmente, com uma aristocracia apegada ao luxo. A elite era formada principalmente por senhores de engenho do Nordeste, plantadores de café do Sul, criadores de gado das províncias do interior e do Rio Grande do Sul. A economia de São Paulo começou a se desenvolver na segunda metade do século, tornando-se, mais tarde, a terra dos “barões do café”.

A imperatriz Josephine em Malmaison. 1805. ost; 244x179cm. paris, Louvre

A imperatriz Josephine em Malmaison, 1805. Louvre

As iaiás do Nordeste se vestiam com cores claras, rendas de bilros (de preferência do Ceará ou de Bruxelas), saiotes engomados de algodão, luvas, leques e chapéus. Os decotes eram mais discretos que no século anterior, com colarinhos fechados e broches arrematando as golinhas brancas. O tafetá, especialmente negro e de cores escuras, parecia dominar as preferências das matronas dos engenhos e senhoras das fazendas do interior. As mulheres da aristocracia rural eram mais austeras com relação aos adornos que as damas do Rio de Janeiro. Nas festas e bailes, preferiam mostrar os ombros e as saboneteiras; os braços também podiam ser exibidos, nus ou envolvidos em tecidos transparentes. Joias e mais joias complementavam o visual das mulheres da elite, tanto nas áreas rurais quanto urbanas.

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A moda masculina no Segundo Império foi marcada pela austeridade: sobrecasaca comprida e cartola preta, bengala, relógio de bolso e colete. A figura de D. Pedro II ilustra bem o modelo de elegância dos homens da elite da época. Com um estilo pessoal pouco dado à pompa e à ostentação, o imperador aparece quase sempre retratado nestes trajes. O evento social mais famoso da época foi o Baile da Ilha Fiscal, que ocorreu seis dias antes do golpe que derrubou o imperador. Foram distribuídos mais de dois mil convites e as lojas que comercializavam roupas finas no Rio de Janeiro logo tiveram seus estoques esgotados. Todo o glamour da festa, no entanto, não impediu o fim melancólico do regime.

Último baile da Ilha Fiscal, retratado por Francisco Figueiredo

Último baile da Ilha Fiscal, retratado por Francisco Figueiredo. Foto: reprodução

  • Artigo de Márcia Pinna Raspanti. Mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Autora do artigo “Vestindo o corpo: breve história da indumentária e da moda no Brasil, desde os primórdios da colonização até o final do Império”. IN: História do Corpo no Brasil, organização Mary Del Priore e Márcia Amantino, Editora Unesp, 2011.

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  1. Francisca Isabel Dias Carvalho

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