Casamentos precoces

Nos tempos da Colônia, casos de desajustes conjugais devido a pouca idade da esposa não foram raros e revelam os riscos por que passavam as mulheres que concebiam ainda adolescentes. Há casos de meninas que, casadas aos 12 anos, manifestavam repugnância em consumar o matrimônio. Num deles, o marido, em respeito às lágrimas e queixumes, resolvera deixar passar o tempo para não violentá-la. Escolástica Garcia, outra jovem casada aos nove anos, declarava em seu processo de divórcio que nunca houvera “cópula ou ajuntamento algum” entre ela e seu marido, pelos maus-tratos e sevícias com que sempre tivera que conviver. E esclarecia ao juiz episcopal que “ela, autora do processo de divórcio em questão, casou contra sua vontade, e só por favor à vontade de seus parentes e temor a eles; que não estava em tempo de casar e ter coabitação com varão por ser de muito menor idade, assim de tão tenra idade se casou”.

Os casos de casamentos contraídos por interesse, ou em tenra infância, somados a outros em que idiossincrasias da mulher ou do marido revelam o mau estado do matrimônio, comprovam que as relações sexuais dentro do sacramento eram breves, desprovidas de calor ou refinamento. Cada vez mais se evidencia o elo entre sexualidade conjugal e mecanismos puros e simples de reprodução. Maria Jacinta Vieira, por exemplo, bem ilustra a valorização da sexualidade normalizada, destituída de desejo, quando se recusa a copular com seu marido “como animal”. Sua recusa, alegava, eram retribuídas com maus tratos. Bem longe já se estava dos excessos eróticos cometidos pelos sodomitas, estudados por Ronaldo Vainfas, quando das primeiras visitas do Santo Ofício à Colônia. Os primeiros comportamentos ilustravam um consenso do Antigo Regime, verbalizado por Montaigne. A esposa devia ignorar as febres perversas do jogo erótico.

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Tal como o historiador Edward Shorter percebeu para a Europa do Antigo Regime, os casados desenvolviam, de maneira geral, tarefas específicas. Cada qual tinha um papel a desempenhar frente ao outro. Os maridos deviam se mostrar dominadores, voluntariosos no exercício da vontade patriarcal, insensíveis e egoístas. As mulheres por sua vez, apresentavam-se como fiéis, submissas, recolhidas. Sua tarefa mais importante era a procriação. É provável que os homens tratassem suas mulheres como máquinas de fazer filhos, submetidas às relações sexuais mecânicas e despidas de expressões de afeto. Basta pensar na facilidade com que eram infectadas por doenças venéreas, nos múltiplos partos, na vida arriscada de reprodutoras. A obediência da esposa era lei.

O poeta Gregório de Matos, conhecido Boca do Inferno, tinha, neste sentido uma receita: em “regras de bem viver” destinadas às casadoiras, recomendava que estas não abrissem a boca para falar antes do marido, não aparecessem jamais à janela da casa, se mostrassem econômicas remendando a roupa dos maridos, esperassem-no para jantar comportadamente sentadas em almofadas, soubessem coser, assar e fazer-lhes bocadinhos caseiros. Mesmo no sexo, tinham que ser subservientes: que quando o marido viesse “de fora, vá-se a ele, e faça por unir pele com pele”.  – Mary del Priore

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Fazenda na representação de Rugendas.

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