Por Paulo Rezzutti.
Gerações de historiadores, no afã de descontruírem os “grandes heróis nacionais”, acabaram por transformar muitos deles em ruínas, a ponto de negar-lhes sua humanidade.
Comecei a suspeitar desse fato, ao me debruçar, em 2010, nas cartas trocadas entre D. Pedro, primeiro imperador do Brasil e quarto rei de Portugal com esse nome, e a sua famosa amante, a marquesa de Santos – correspondência que descobri na Hispanic Society of America, em Nova Iorque.
Lá estava um homem que, até então, nenhum professor ou livro de história havia me revelado. Alguém que, se por um lado, nota-se a falta de compostura e de uma educação refinada, por outro, se revela uma pessoa preocupada com tudo e todos a seu redor, com as doenças e saúde dos filhos e das pessoas próximas, aos detalhes e mimos em relação à filha que teve com a marquesa e com a própria marquesa.
Após publicar “Titília e o Demonão”, com as cartas inéditas, e lançar a biografia da marquesa: “Domitila, a verdadeira história da marquesa de Santos”, resolvi me debruçar sobre o homem que havia começado a se mostrar, a princípio de maneira furtiva, depois, mais intensamente para mim: Pedro de Alcântara.
Em pesquisas nos dois lados do Atlântico e em locais inusitados, um Pedro que eu desconhecia surgiu. Nunca imaginei que encontraria cartas do ex-imperador no exílio, chorando a morte de sua primeira esposa, a imperatriz Leopoldina, cinco anos após ela ter falecido no Rio de Janeiro. Também não imaginei que o amor que ele tinha pelos filhos, amplificado pela distância do exílio, iria levá-lo a escrever uma carta lançando uma praga contra a nova responsável pelas crianças no Brasil, Mariana Carlota de Verna Magalhães, caso ela não cuidasse dos filhos dele como deveria.
O pavor que o governo regencial e muitos políticos tinham de um retorno de D. Pedro ao Brasil, após conseguir, ou não, reconquistar o trono português para a sua filha, D. Maria II, levou a regência a colocar espiões junto ao ex-imperador para sondar seus caminhos e desejos. D. Pedro também deixou no Brasil, no paço, alguns espiões, mas esses tinham um objetivo bem diverso: velar e contar-lhe a verdade a respeito do que ocorria aos príncipes que deixara em sua pátria de adoção. Mas, se ele gostava tanto assim das crianças, por que as deixou aqui? Alguns poderão se perguntar. A questão, talvez incompreensível nos dias de hoje, é que ele deixou os filhos para garantir o trono brasileiro à dinastia de Bragança. Podemos ver nas cartas, que ele chegou a esboçar e não enviar, a disputa interna que ele sofreu ao pensar em voltar atrás e levar ao menos as meninas com ele e deixar no Brasil apenas D. Pedro II. Mas, e se esse viesse a morrer? Quem herdaria o trono?
Essas questões me levaram a perceber como, ao se dedicar ao estudo sobre a monarquia, diferenciar, separar o pessoal e o oficial, pode ser uma grande cilada para quem a estuda. Documentos, como o relatório inédito do marquês de Barbacena, que reproduzo na obra, em que ele narra todos os erros e os problemas causados pela tentativa de se conseguir uma nova esposa para D. Pedro na Europa, apesar de falar diretamente a respeito da intimidade e do comportamento do imperador, foi encontrado em um arquivo governamental, e não particular.
Porém, não só de espiões, pragas e crianças doentes ou não o livro trata. Também um D. Pedro defensor da abolição da escravidão emerge, e o declínio de sua imagem junto a opinião pública pode ser traçada por uma linha muito segura amparada em seus atos. Às vésperas de sua abdicação, um tratado com a Inglaterra obrigaria o término do comércio transatlântico de escravos. Apesar de D. Pedro ter assinado tal tratado, a Assembleia Nacional, dominada pelos escravocratas nada fez para implementar a regulamentação exigida. O primeiro discurso do imperador, na abertura da Assembleia Constituinte, em 1823, seria uma fala pedindo a abolição da escravidão, convertida, provavelmente por conselho de José Bonifácio, em um artigo de jornal, que acabou ficando esquecida.
O foco nas relações pessoais de D. Pedro revelou também uma trama familiar complicadíssima, em que as questões políticas ditavam as condutas familiares. Os estudos em Portugal trouxeram à tona o drama das irmãs de D. Pedro que se puseram a favor dele e contrárias ao irmão D. Miguel, que usurpou o trono da sobrinha, D. Maria II.
Em “D. Pedro, a história não contada”, procurei não “limpar a barra” de nosso primeiro imperador, pelo contrário, muitas verdades sobre ele e seus péssimos hábitos e comportamentos surgiram com cores mais fortes, porém, não neguei a ele a sua humanidade.
D. PEDRO – A HISTÓRIA NÃO CONTADA
Autor: Paulo Rezzutti
Editora: LeYa
Ano de Edição: 2015
Nº de Páginas: 432
Lançamento: 24/09/2015 – Livraria Saraiva do Shopping Pátio Paulista.
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A figura de Dom Pedro I suscita ódio e admiração por toda parte. Infelizmente temos em maior número, uma expressiva gama de livros e artigos assinados por grandes nomes que, trouxeram a luz somente o lado negativo do imperador. Em 2012, um famoso romancista espanhol, Javier Moro publicou o livro “O império é você”. Numa entrevista a Folha de São Paulo, bem como numa palestra sua no Instituto Cervantes em São Paulo, o escritor disse que os brasileiros, mais que os portugueses, ainda não conheciam de fato quem era Dom Pedro I, porque se soubessem, amariam esse homem. A obra do historiador Paulo Rezzutti vem na contramão da historiografia tradicional que tratou de reduzir a imagem do primeiro imperador a um homem simplesmente afeito a sexo, ataques de raiva e epilético.
Somente hoje “descobri” vocês! Estou lendo tudo o que foi postado no blog. Estou amando. Filha e irmã de professoras de História, aprendi a amar esta matéria. Mas, D.Pedro I é o meu favorito! Estou no aguardo do lançamento do livro “D.Pedro I- A história não contada”, para, novamente, em outro livro, mergulhar no Brasil Império e viajar no tempo!
Obrigada, Grace! Que bom que você está gostando do blog. Tenho certeza que você vai apreciar o livro do nosso colaborador, Paulo Rezzutti.