A elegância das mulheres negras não escapou aos cronistas que escreveram sobre a colônia. O preparo das roupas com capricho e afinco caracteriza um culto rigoroso na forma de portar saias, torços de seda, sandálias enfeitadas e panos da costa, ensina o antropólogo Raul Lody. Na Bahia, se identificavam por seus turbantes e camisas de musselina, sobre a qual colocavam os panos da costa. Roupas bordadas e ornadas de bicos e crivos na rua contrastavam com camisolões brancos daquelas que eram escravas domésticas de gente pobre. E Luís dos Santos Vilhena contava sobre as escravas que saíam à rua com suas senhoras: “Pretas vestidas com ricas saias de cetim, becas de lemiste finíssimo e camisas de cambraia ou cassa bordadas de forma tal que vale o lavor três ou quatro vezes mais do que a peça; e tanto é o ouro que cada uma leva em fivelas, cordões e pulseiras ou braceletes, ou bentinhos, que sem hipérbole basta para comprar duas ou três destas negras ou mulatas como a que o leva”. E quantas joias!
De “punhos ou copos” e braceletes de ouro onde se via a elaborada joalheria desenvolvida por africanos e seus descendentes até balangadãs de prata com objetos que tinham função simbólica: dentes, figas de madeira, contas e bolas de louça em coral, âmbar ou marfim, todos encastoados em prata. A penca, presa por um correntão de prata, era usada na altura da cintura combinando com o pano da costa. Os balangandãs podiam ser devocionais, com a espada de São Jorge, a pombinha do Espírito Santo, São Cosme e Damião presos a uma só argola, entre outros; votivos, representando graças alcançadas nos ex-votos de costelas, cabeças, seios, olhos etc.; propiciatórios com figas diversas, dentes de jacaré, moedas, bastões ocos de prata com guiné, pó de pemba e terra de cemitério; ou evocativos: o cacho de uvas para lembrar as vindimas portuguesas, o tambor, instrumento das danças de terreiro e senzala. Portava-se ainda o brinco em estilo “pitanga”, feito de búzio e ouro, ou as argolas, também conhecidas como “africanas”, aros ou aros de rapariga. E tinha ainda os anéis, como os de “pedra-corada”, gordos e pesados, normalmente usados por homens. Nas laterais, atributos curiosos, como folhas de tabaco, para os produtores de fumo, e flores de algodão, para os agricultores.
E havia os fios de conta, simbolizando diferentes orixás e a joalheria de axé, aquela religiosa: os ibós e idés, as pulseiras, captados precocemente por Debret e Carlos Julião e, no Maranhão, ditos “rosários”. Tal joalheria subiu até Minas Gerais pelo Rio São Francisco e era comumente encontrada nos testamentos de escravas ou forras que as compravam com seu “ganho”. Muitas dessas joias foram ainda presente de senhores generosos a amas de leite ou amas. O material simbólico chegava nas embarcações que faziam a rota entre a costa africana e os portos brasileiros, sendo distribuídos nas lojas e tendas mantidas por negros, e tais talismãs eram usados por ambos os sexos.
A compra de relíquias era corrente entre escravos, traduzindo a crença na comunicação com seres sobrenaturais do catolicismo.
Leia o artigo completo de Mary del Priore para a revista Aventuras na História:
Crédito: Hafaell