Festas e danças nos engenhos de açúcar

O ritmo do trabalho nos engenhos de açúcar, que era, também o da sobrevivência, só era quebrado pelo calendário religioso e festas de colheita. No Natal, por exemplo, recebia-se visita de parentes vindos da Corte ou da cidade. Nestas ocasiões, as casas enchiam-se de balbúrdia, as escravas aprontando bandejas e compoteiras; presentes na forma de galinhas, leitões e perus, amarrados com fitas coloridas, eram entregues aos vizinhos e amigos. Os bailes pastoris, outra forma de comemorar, apresentavam um tom monótono e solene com o perfume e a chuva de flores que promoviam ao longo de sua realização.

As mulheres se destacavam em outras festividades: as cavalhadas nos engenhos por ocasião de festejos diversos, nas quais segundo Júlio Bello, depois de correr diversos páreos, colhida a argolinha, o cavaleiro aproximava-se com as mesmas mesuras do lugar onde as damas presidiam a festa, escolhia a sua dama preferida e a depositava no regaço. A moça erguia-se, atava no braço do cavaleiro uma fita de cor e ele ia juntar-se ao cortejo de outros disputantes. Debret reproduziu tais pelotões em ação. Na do Divino, a roceira e a senhora do engenho, alvoroçadas pela música e pela cantoria, saíam de suas casas para receber a bandeira; beijavam-na assim como seus filhos e escravos. Tambores, ferrinhos e pandeiros, pratos e violas faziam o fundo musical do evento. Sua participação mais ativa consistia em oferecer café e bolos à comitiva, correr esmolas entre a parentela presente, ajudar a acondicionar as ofertas que partiam com a bandeira do Santo Espírito.

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A festa mais importante dos engenhos era, todavia a da moagem. E nelas, senhoras  e escravas tinham, juntas, atuação marcante. Ouçamos sobre esta festividade a narrativa de um contemporâneo: “a gente da redondeza, convidada ou não, dispunha-se a comparecer a festa anual agrícola do mês de maio, época em que os engenhos começavam a funcionar. A casa de vivenda, a do engenho, os paióis, as senzalas extensas eram caiadas e limpas; a escravatura recebia timões de baeta azul e roupa de algodão para o gasto do ano; e de oito a quinze dias antes da moagem procedia-se ao corte das canas que chegavam em carros de bois e ficavam sob alpendres ou em depósitos especiais. De véspera, a casa do engenho e mais construções adornavam-se, interna e externamente, com troféus de pendões vegetais entremeados de flores selvagens, de ramagens de palmas, de festões e arcadas; no terreiro, as bandeiras colocadas de distancia em distancia flutuavam nas extremidades de bambus verdes. Matava-se um boi para o banquete dos senhores e ração dos escravos, carneiros, galinhas e etc…; incumbia-se a dona da casa, a família do agricultor, da direção das escravas doceiras que arranjavam o necessário. De véspera, achava-se na fazenda os compadres e amigos que tinham vindo de longe com suas famílias. Foreiros ajudavam escravos nos preparativos da música e dos fogos. No dia, visitantes chegavam sobre carros de bois, toldos de esteiras ou de chitão lavrado. Muitos vinham a pé, descalços, traziam os sapatos ao ombro..Na véspera, a casa do engenho e mais construções adornavam-se, interna e externamente, com troféus de pendões vegetais, entremeados de flores, ramagens, palmas e festões.; no terreiro, as bandeiras colocadas de distância em distância, flutuavam nas extremidades de bambus verdes […] Matava-se um boi para o banquete dos senhores e ração dos escravos, carneiros e galinhas, incumbindo-se a dona da casa, e a família do agricultor da direção das escravas doceiras.[…] A fazendeira, com seu vestido de musselina, trepa-moleque e lencinho ao pescoço, desfazia-se em delicadezas e oferecimentos aos convidados. Nesse ínterim, a casa da moenda acabava de se armar, os escravos a postos, caldeirões areados, fornos providos de lenhas. A um momento, o carro de boi enfeitado com ramagens, trazia os músicos e o vigário. Era a tradição que em não se benzendo o engenho, tudo podia correr mal […] As moças e as matronas, em fileiras sucessivas, com seu séqüito de mucamas, assistiam ao ato vestidas na moda, sobressaindo em seus cabelos lacinhos de fita verdes e amarelas nativas […] as moças se adiantavam para a almanjarra, passando a cada uma delas sua vistosa mucama um feixinho de canas raspadas, presas por laços de fita que eram delicada e cuidadosamente colocadas por suas senhoras dentro dos cilindros das moendas. O engenho moia ativíssimo. Neste dia, com exceção da gente do engenho, ninguém mais trabalhava. Os escravos batucavam depois do jantar, os foreiros cantavam e dançavam; os senhores presenteavam as crioulas e mulatas de estimação com cortes de chita ou de cassa, fios de corais e brincos de ouro”.

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Em outras ocasiões festivas, o ritmo era dado pelo coco, dança, considerada pelos especialistas, uma especialidade dos engenhos. Ela consistia em grande roda da qual saía, por sua vez, cada figura dançando e batendo palmas ao toque de tambores e ganzás. As letras cantadas faziam referência aos trabalhos de engenho: o corte da cana, a moagem e o preparo do açúcar. Fora das festas, escravas se divertiam com o canto e a dança do jongo, ao som de tambores e canto de pontos.

Para as mulheres livres, passeios sobre bestas luzidas de passo trotado eram apreciadíssimos. Eles tanto se podiam realizar dentro da própria fazenda quanto nos arredores, em fazendas de vizinhos. Selas femininas, com seus arreios e gancho apropriado, assim como roupas de montar inventariadas nos testamentos fluminenses atestam que, algumas senhoras de engenho, eram, também, exímias amazonas. Durante as festas caseiras, como aniversários, batizados, noivados e casamentos, os convidados ficavam nas tulhas, ou seja, nos celeiros suspensos. Acendiam-se grandes fogueiras, trovas, ao som da viola eram improvisadas em desafio, realizavam-se “banquetes e pagodes” improvisados sob barracão protetor de panos ou em salões ornamentados onde as sinhás rodopiavam ao som da clássica quadrilha francesa, da valsa, da mazurca, do xote. – Mary del Priore

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  1. clarice

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