Tércio Amaral*
Em tempos de traições midiáticas como a protagonizada pelo humorista da Rede Globo Marcelo Adnet, registrada com fotos e compartilhamentos em redes sociais, fica a lição do amor. Sim, este sentimento histórico que acompanha a humanidade desde sua existência. A mulher traída, a atriz Dani Calabresa, perdoou o marido em rede nacional e ainda tascou um beijo na boca do colega de bancada do programa CQC Marco Luque, ao vivo, na Band. Não é de hoje que o “perdão” vigora entre os casais. Na história do Brasil, talvez, o maior perdão de adultério tenha sido protagonizado pela segunda imperatriz brasileira Amélia de Leuchtenberg (1812-1873), mulher do imperador d. Pedro I (1798-1834), que chegou ao Brasil para o selar o segundo casamento do monarca, até então conhecido pelas relações extraconjugais com Domitila de Castro Canto e Melo (1797-1867), a Marquesa de Santos.
Apesar do histórico de traições de d. Pedro I, que teria até vitimado à morte por depressão sua primeira esposa Maria Leopoldina de Áustria (1797-1826), dona Amélia chegou ao Brasil em outubro de 1829 com o sentimento de “perdão”. Claro, há uma grande diferença entre o gesto de Dani Calabresa, hoje considerado um ato de “amor livre”, do realizado pela princesa alemã que tentou a sorte num relacionamento com o imperador do Brasil, um dos homens mais importantes das Américas no período. Longe dos holofotes da mídia, foi no Rio de Janeiro, que a segunda imperatriz demonstrou sua benevolência com a peripécias do marido. O seu maior gesto foi adotar um das filhas bastardas de d. Pedro I com a Marquesa de Santos: Isabel Maria de Alcântara Brasileira (1824-1898), Duquesa de Goiás, que realizou um belo casamento, em abril de 1843, na Europa, com Ernesto José João Fischler von Treuberg, Conde von Treuberg e Barão von Holsen (1816-1867). A união teve a influência da “mãe adotiva”.
O gesto amor de dona Amélia, no entanto, chama a atenção para um “tabu” (ou mesmo um problema) da historiografia nacional neste 15 de novembro, data que decreta desde 1889 o fim da monarquia no Brasil. A rede de relacionamento de filhos legítimos e bastardos de d. Pedro I. Por exemplo, como seu filho, o imperador d. Pedro II (1825-1891), fruto de um relacionamento oficial, se comunicava com a Duquesa de Goiás, uma bastarda “querida”? Os irmãos, assim como Dani Calabresa e a imperatriz dona Amélia, superaram o tabu da traição e mantiveram o afeto familiar? Registros recentes da produção historiográfica sinalizam que sim, mas são poucos os sinais. Não existe trabalho específico na academia sobre o tema. Estudos recentes, que tocam neste tipo de relação, tratam a questão de forma superficial. A ausência de uma documentação mais sólida, talvez, justifique a ausência, mas não minimiza a questão. D. Pedro I teve oito filhos legítimos, já os bastardos, dizem alguns estudos, são incontáveis.
Em Domitila: a verdadeira história da Marquesa de Santos (Geração Editorial, 2012), o historiador Paulo Rezzutti revela alguns aspectos da relação do imperador d. Pedro II com a irmã bastarda Maria Isabel II de Alcântara Brasileira (1830-1896), casada com Pedro Caldeira Brant (1814-1881), Conde de Iguaçu. Assim como a Duquesa de Goiás, a Condessa do Iguaçu era filha de d. Pedro I com a Marquesa de Santos, e, diferentemente da irmã, foi criada e morreu no Brasil. No livro, o historiador, embasado no diário pessoal de d. Pedro II, diz que o monarca se preocupava com a desavenças do casal e fala da preocupação da Marquesa de Santos com as brigas dos dois. Sobre as críticas que faziam sobre a personalidade da irmã bastarda, que não obedecia a mãe e não era lá a das mais cordiais com o marido, d. Pedro II defendia: “não creio”.
“Eu respondi que não proibia o Iguaçu que ficasse em São Paulo e estava pronto a aconselhá-lo que não deixasse a mulher a não ser em companhia da mãe dela, mas que eu partia do princípio de que o marido é quem deve mandar em casa”, revelou, também, d. Pedro II, em seu diário, sobre um pedido da Marquesa de Santos para que o genro, o Conde de Iguaçu, fosse trabalhar em São Paulo, cidade onde residia junto com a filha que teve com d. Pedro I. Circula na internet informações de d. Pedro II teria ajudado a irmã com fazendas e propriedades em Minas Gerais, porém, não existem documentos sobre as ajudas e em quais circustâncias os irmãos se encontravam. Aliás, como a princesa Isabel (1846-1921), que libertou os escravos em 1888, filha de d. Pedro II, lidava com os possíveis primos frutos dos relacionamentos bastados do avó d. Pedro I? A história do Brasil, ainda, nos deve esses esclarecimentos.
No quentíssimo D. Pedro II na Alemanha: uma amizade tradicional (Editora Senac, 2014), d. Carlos Tasso de Saxe-Corburgo e Bragança, que é bisneto da princesa Leopolina de Saxe-Corburgo Bragança (1847-1871), segunda filha de d. Pedro II, fala um encontro inusitado. Em sua primeira viagem à Europa e à Alemanha, d. Pedro II fez questão de se encontrar com a irmã bastarda Duquesa de Goiás em 26 de setembro de 1872. “Residia no Castelo de Holzen e estava viúva há 4 anos. Não temos documentação ou testemunho do encontro entre dos dois meio-irmãos, que nunca tinham se visto e nunca mais se encontraram”, diz o autor no livro. O encontro aconteceu na cidade de Munique. Há trabalhos, no entanto, que falam de um segundo encontro dois dois, também, na Europa.
O tema, aliás, é tido como comum pelos membros da Família Imperial do Brasil. Ou melhor, dos descendentes de d. Pedro I. “A famiília não tem e nunca teve preconceitos em manter contatos com descendentes ilegítimos de d. Pedro I. Acho que eram estes que não se aproximavam nem ao imperador e nem aos descendentes deste. Eu conheci, muitos anos passados uma Condessa von Treuberg em Salzburg. Era uma senhora idosa, muito simpática, totalmente alemã, que me disse de ser trineta de ‘vovó Isabel’, como chamava a Duquesa de Goiás. Poucos anos depois soube que tinha falecido”, disse d. Carlos Tasso, em entrevista, por e-mail. Até hoje, curiosamente, na cidade de Petrópolis, cidade do Rio de Janeiro, onde vivem boa parte dos herdeiros políticos de d. Pedro II, alguns descendentes de bastardos de d. Pedro I procuram e se apresentam aos monarquistas em cerimônias em busca de alguma reverência. Muitos destes têm o desejo negado.
O gesto contemporâneo da atriz Dani Calabresa e o ato cordial de dona Amélica de Leuchtenberg, tão distantes através do tempo, deixam uma lição: cada um reage a seu modo às relações extraconjugais. E claro, os desdobramentos dessas histórias ganham um fundo particular em cada lar. Existe amor no adultério. E os filhos bastardos também se respeitam, e, claro, talvez se amem. Foi d. Pedro I, mesmo não sendo o único chefe de estado do mundo a ter filhos fora do casamento, que deixou o exemplo, tratando com carinho todos os filhos, os legítimos e ilegítimos, mesmo que estes segundos não herdassem tronos como os do Reino de Portugal, com sua filha dona Maria II, ou do Brasil, com d. Pedro II, cujos reinados duraram, respectivamente, de 1834 a 1853, e 1831 a 1889. Uma traição também é uma história de amor. Ela segue a trilha das emoções de sua contemporaneidade.
Sugestões de leitura:
BRAGANÇA, dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e. D. Pedro II na Alemanha: uma amizade tradicional. Editora Senac: São Paulo, 2014.
PRIORE, Mary del. A carne e o sangue: a imperatriz Leopoldina, d. Pedro I e Domitila, a marquesa de Santos. Rio de Janeiro: Rocco, 2012.
REZZUTTI, Paulo. Domitila: a verdadeira história da marquesa de Santos. São Paulo: Geração Editorial, 2012.
* Possui graduação em história pela Universidade de Pernambuco – UPE (2008) e em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco – Unicap (2011). Atualmente, é estudante do programa de Mestrado em História da Cultura Regional da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pesquisador do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero (NUPEGE), também da UFRPE.
Casamento de Adnet e Dani Calabresa.