As noites do imperador eram partilhadas com Domitila. Noites sem sono, preenchidas por loucuras. Nela, D. Pedro não queria o prazer prometido por seu confessor, na vida eterna, no além. Mas aquele do presente imediato. Volátil, caprichoso, cego, tal prazer não se deixava aprisionar. Ele tinha fome e sede da amante. E o jogo de corpos misturados fazia o imperador queimar de ciúme:
“Será possível que tu estimes mais alguém do que a mim? Meu coração diz
que não, meus olhos dizem-me sim. A quem devo acreditar: no coração, que
pode ser iludido, ou nos olhos, que a não serem cegos por força hão de apresentar
no entendimento o que se lhes pinta […] o amor que eu te tenho é de coração,
pois não precisa proteção nem dinheiro, o amor que eu tenho nasce do fundo da
alma […] e às vezes tudo o que me dão é para ti ainda em primeiro que para
meus filhos…”
Despia Titília nos bilhetes. Transformava o desejo em excitação, em linguagem e rabiscos eróticos. E assinava-se “seu fogo foguinho”, quando não acrescia o desenho do real pênis ejaculando em louvor da amante. Tudo cheirando, como disse um biógrafo, a lençóis molhados e em desalinho. E depois, mortificado de ciúmes e suspeitas, perguntava: “Será possível que estimes mais a alguém do que a mim?”As manifestações de carinho se multiplicavam: “Eu sempre estou pronto a fazer o que mecê quiser, e, portanto, decida e ordene-me o que quiser”, curvava-se D. Pedro.
A paixão por Domitila era forte e D. Pedro não a escondia: “Não podendo pelo verdadeiro e sincero amor que lhe tenho deixar de procurar todas as ocasiões de a ver …”; “Vou fazer a barba para mecê não ser arranhada à noite.”
Vigiava a amante através de um binóculo. E assinava-se “amigo ex corde et anima”. Digladiavam-se em ciumeiras: “Eu já não namoro mais ninguém depois que lhe dei minha palavra de honra […]. Sinto infinito que depois de tanto tempo de prova mecê ache ainda capaz de fazer traições e infidelidades.”
Contam alguns biógrafos que, depois da morte de Leopoldina, D. Pedro teria mudado, e a fogosa relação sofreria os primeiros esfriamentos (ou tudo seria uma farsa para esconder a ligação entre os amantes?). Certa vez, ao cobrar-lhe mais atenção, Domitila ouviu dele que ela tomava liberdades que mesmo a finada Leopoldina jamais se permitira. Amuou-se a favorita. De “Demonão” passou a chamá-lo “Meu Senhor”. Só que, depois das explosões, ele insistia: “Eu não te acho ingrata; amo-te muito, e se não te amasse não faria os excessos e até esbarrundos que faço por ti.” E sobrepondo em cruz a sua assinatura à da amante, anexava num pós-escrito:
“Sempre assim existiremos, vire o mundo o que virar em nós, não há brecha.” E
a carne sempre falava mais alto: “Esta noite terei o gosto para mim maior de
estar contigo e abraçado espero ser um cavalheiro polido para não me chamares
de Bandalho […]. Não tomes a mal esta minha brincadeira, pois tu deves estar
bem certa que te amo e que se algumas vezes estou algum tanto grosseiro é
desespero de não poder gozar de ti como desejaria, que me faz dizer e praticar
semelhantes coisas.” Com as juras de amor eterno chegavam nuvens leves,
arrepios, zangas passageiras. “O muito amor é que nos faz mal”, explicava a
Titília, “somos gente, por outro modo seríamos pedras”. Só quem tinha “zelos”,
ou seja ciúmes, tinha questões. Amava-a com violência.
D. Pedro continuava a frequentar os salões de Domitila, onde trocou insultos com um tenente de um dos seus batalhões. O rapaz usava um trancelim de cabelos escuros em volta do pescoço. O furo de bala numa tela de
Bordone foi a prova de uma rixa de amor. Depois, bombardeou-a com bilhetes:
“Tu não ignoras o que é amor, o que é ciúme, e neste ponto é só o amor que
fala.” Ou: “Como tu queres que nós não tenhamos dúvidas se elas nascem do
amor?”
Domitila não ficava atrás em termos de ciúme. No dia 15 de agosto, invariavelmente, os romeiros enchiam as escadas da Igreja da Glória para pagar promessas e festejar a Virgem, devoção da família imperial. Nesse ano, choveu muito e, por conta do mau tempo, a queima de fogos foi adiada para o dia 19. D. Pedro dormiu na casa dos Sorocaba para não perder o espetáculo. Domitila sentiu-lhe a mudança de comportamento. Convencida de que seu amante a enganava com a irmã, baronesa de Sorocaba – “um pedaço de mulher”, segundo Mareschal –, reagiu. Três dias depois da partida do imperador, a carruagem de Maria Benedita foi atingida por tiros. Espatifaram-se os vidros. Grande medo! O disparo tinha sido feito por um oficial do batalhão de São Paulo, íntimo da marquesa, ou por um de seus criados? O intendente de polícia, por não encontrar culpados, foi demitido. O fato teria servido para disfarçar a ligação entre os amantes ou outro momento de fraqueza de D. Pedro?
A carne era mais forte, embora tomasse cuidados, disfarçando sempre. Pedia-lhe apenas discrição para que continuassem a “gozar um do outro” sem cair “nas viperinas línguas dos malditos faladores”. E assegurava-lhe: “Por ti, vou ao fundo do mar.” E ia… Descia à mais profunda paixão. Ela na Ópera? Ele lá estaria. A janela do
quarto de Titília fechada ou o vestido de chita curto com ela “dando a perna”? Cenas de ciúmes. Afinal, o coração do imperador sempre “suspiraria por ela”. E só nos seus braços “repousaria tranquilo e satisfeito”. Chegava a escrever-lhe duas vezes por dia.
No final do ano, mostrava-se cada vez mais apaixonado pela mulher que, segundo biógrafos, havia ganhado em
beleza, polimento e maturidade. O casal tinha uma ligação erótica vigorosa. O “tanto e tão gostoso excesso” era, segundo o imperador, resultado do afeto que consagrava a Titília. O sentimento que compartiam queimava de chama muito forte. Seria difícil apagá-la. Se na cama tudo era cor-de-rosa, o cenário ganhava sombras fora do
quarto. Brigavam. Depois, seguiam-se as desculpas: “A fruta é fina, posto que a casca seja grossa”, ele se justificava. Havia tensão de ambos os lados. Ele, querendo resolver sua situação política, e ela, a pessoal. Ele, dividido entre dever e instinto. Ela, entre ser plebeia ou rainha. Para isso, não se fazia de rogada e
acertava-lhe num lugar sensível: o cotovelo.
“Se teus amores para comigo são assim, é porque tua amizade para
comigo não te borbulha no peito como a minha para contigo. Pois sejam embora
teus amores para comigo passageiros, os meus que são baseados na mais firme
amizade hão de ser sempre puros e constantes […] está claro que só a tua carne é
quem te chama a fazer a coisa […] que é capaz a dispor-te a fazeres com outro
qualquer ‘amor passageiro’ para aliviar […] qualquer perequê te incitará a fazeres
um desses ‘amores passageiros’. Deus me livre pensar que tu escreves isso.”
D. Pedro, enciumado, desnorteado, pressionado de todos os lados:
“Eu já não sei o que digo, estou a modo de maluco, só quero apertar-te
esta noite contra meu peito ou decerto acabo doido ou não sei como. Eu me
estranho a mim mesmo, acho-me de tal modo com a cabeça abatida que eu não
falo, ou falando contigo, no que não tenho razão alguma. Sou teu, acaba-me com
esta triste vida, ela é tua, ela é da Pátria, ela me atormenta, sou só infeliz. À noite
direi o que jamais poderei esconder.”
Na cama com Domitila, talvez esquecesse os verdadeiros problemas. Ao contrário do que pensava a corte, D. Pedro sofria por Domitila do sentimento paradoxal que é o amor. Disposição pouco sentimental que, e ao contrário do mito, é efêmera, absolutista e autoritária. Amava-a de amor autenticamente selvagem, sem reconhecer limites, nem as regras do direito, da moral e da religião. Amor que era espaço de licença, não de liberdade.
“Filha, quanto às saudades e tudo quanto há que os amantes verdadeiros como
nós sentem, eu sinto […]. Ah, filha, que fazer, como remediar nossos tormentos
eu não sei. E desgraçadamente o remédio é sofrer. Paciência!”
- Texto baseado em “A Carne e o Sangue”, de Mary del Priore. Editora Rocco, 2012.
D. Pedro I compondo o Hino Nacional (hoje Hino da Independência), em 1822, de Augusto Bracet.