As mulheres de D. Pedro I: Marquesa de Santos

Domitila – como foi batizada – ou Titília como chamada em casa, última filha do coronel reformado João de Castro Canto e Mello e Escolástica Bonifácia de Toledo Ribas, nasceu a 27 de dezembro de 1797, na então pequena São Paulo. Contrariamente a muitas de suas contemporâneas, foi alfabetizada. Aos 16 anos, se casou com um oficial do II Esquadrão do Corpo de Dragões de Vila Rica, o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça. Amor? Os enlaces, então, passavam longe das razões do coração. O noivo pertencia à cavalaria que tinha por objetivo a defesa dos governadores, além de um salário razoável e de ser membro de família conhecida: razões suficientes para se tornar companheiro de moça bem nascida. Vem ao mundo os dois primeiros filhos do casal, Francisca e Felício e quando grávida do terceiro, João, alegando maus tratos, Domitila troca Vila Rica por São Paulo. As várias biografias sobre a vítima não hesitam em repetir que era mal tratada. Chegou mesmo a ser esfaqueada pelo marido. O divórcio saiu em 1824.

Agosto de 1822: vivendo separada do marido, ela conhecerá D. Pedro que voltava de sua jornada à Vila Rica. Tinha ele 24 e ela 25 anos.  Belíssima? Não. Um certo pendor para a gordura, três partos, duas cicatrizes de facadas no corpo, um rosto comprido iluminado pelo olhar moreno. As condições do encontro são cercadas por lendas. Apresentada pelo Chalaça, secretário de Sua Majestade? Introduzida pelo irmão, que viera na comitiva do jovem monarca? Amor à primeira vista quando ele a vira cruzar numa cadeirinha? Pouco importa. Teve aí início um dos poucos romances que podemos acompanhar por meio da correspondência entre os amantes. Logo após se tornar Imperador, D. Pedro deixa de lado a discrição, transformando Titília numa “teúda e mantéuda” que apresenta à Corte e instala em casa própria, ao lado do palácio de são Cristóvão. O palacete, à rua Nova do Imperador, posteriormente se tornou conhecido como Casa da Marquesa. Em novembro de 1822, felicita-a por “estar pejada”. Depois do nascimento de D. Isabel Maria, “Belinha”, a primogênita, fá-la viscondessa em 12 de outubro de 1825 e um ano depois, sempre no dia do imperial aniversário, marquesa de Santos. O imperador era um amante zeloso!

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E quanta paixão. As cartas não deixam mentir. “Meu amor, meu tudo”, “meu amor, minha Titília”, “meu benzinho, vou aos seus pés”, “E assinava-se “seu fogo foguinho, “o Demonão”. E cumprindo o ritual dos enamorados destes tempos, enviava-lhe, como qualquer plebeu, muitos agrados: “quartos de vaca, botões de rosa, cestinhos de morango, metade de um peru, queijos, figos”. O amor adúltero se desenvolvia à vista de todos, dividindo a Corte. Os irmãos Andrada, e em particular José Bonifácio, reprovavam a atitude do jovem imperador que consideravam comprometedora da imagem do novo Império no exterior.

Ainda como viscondessa, Domitila foi elevada à dama camarista da imperatriz Leopoldina e acompanhou o casal em viagem de dois meses à Bahia: “A viagem da Corte à Bahia provocou um grande escândalo pois o imperador, ao se fazer acompanhar pela imperatriz, sua filha mais velha e sua amante titular, chocou logicamente todo mundo”, anotava o diplomata, barão de Maréchal. Cresciam as hostilidades à Pompadour tropical e D. Pedro recebe inúmeras cartas anônimas de protesto. Neste mesmo ano, registram-se perdas e ganhos. Em março, falece aos três meses, o pequeno Pedro. O fato causou embaraço aos ministros que não sabiam quais formalidades adotar com o corpo do defuntinho. Ao final, ele recebe exéquias reais. Por outro lado, “Belinha” é reconhecida em declaração oficial e elevada à duquesa de Goiás em festa a qual estiveram presentes os ministros do Império – Bonifácio já tinha se demitido -, dos Estrangeiros e da Guerra, viscondes e barões.

A partida do imperador para a Província de Rio Grande de São Pedro foi cercada de declarações: “Não te posso, minha filha, explicar as acerbas saudades que dilaceram o coração do teu constante, fiel, saudoso filho. Nada mais digo senão que teu é, e do mesmo modo que estejas no céu, no inferno ou não sei onde […] Tu existes e existirás sempre em minha lembrança e não passa um só momento em que meu coração não me doa de saudades tuas”. A morte de D. Leopoldina no final deste mesmo ano, obrigou D. Pedro a tomar certos cuidados, pois não faltaram manifestações acusando Domitila de ter envenenado a imperatriz.

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Insultos, ameaças, proibições de entrar no palácio e mesmo tentativa de linchamento resultaram na reação do povo pelo desaparecimento da soberana benquista. Em respeito à falecida, “as relações com madame Castro eram encobertas quando possível, nem ela se apresentava em público”, testemunhou a viajante inglesa Maria Graham. Mas encobertas ou não, pareciam extremamente fortes. Afinal, enquanto os muros da cidade afixavam pasquins e alegorias mostrando Domitila puxando as rédeas a um cavalo – o imperador em pessoa – não recebera ela carta do amante em que este afirmava “Pedro I, que é teu verdadeiro amigo, saberá vingar-te de todas as afrontas que te fizeram”? Em 1827, já gozando de todas as prerrogativas de marquesa, “com honras, privilégios, isenções, liberdades e franquias”, Domitila recebe, ainda, a banda da Real Ordem de Santa Isabel de Portugal além de conseguir títulos de nobreza para o restante da família. Seus irmãos não só foram promovidos, como aguardavam – cúmulo do favor – o sege do imperador ir buscá-los a cada beija-mão no palácio!

Tanto agrado aguçou desafetos, multiplicando a ação  daqueles que se bateram pelo fim das honrarias. Em 1839, por exemplo, o deputado Venâncio Rodrigues de Resende, ainda referindo-se à Pompadour tropical, fustigava: “quando estes títulos são recompensa de privadas afeições, da intriga e de serviços às vezes desprezíveis essa fonte inesgotável de remunerações condignas avilta-se, perde o valor e seca-se”.

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Os receios de um casamento com o Imperador rondavam. O chanceler austríaco Metternich não escondia seu horror: “É inconcebível que o imperador pense em se casar com a senhora de Santos, pois seu marido é vivo”. Nas cartas trocadas por esta época, o imperador dizia literalmente  “Amo-te muito e se não te amasse não faria os excessos que faço por ti”. Assinava entrelaçando seu nome no da amante com um P.S: “vire o mundo, o que virar, em nós não faz brecha”. Pois a brecha se fez. Quando as notícias da busca de uma noiva se espalharam, as cartas que Domitila recebia mudaram de tom. Agora, D. Pedro falava em “gratidão e afeto particular”, chamando-a de “minha amiga”. A “concubina e sua comitiva”, relatava Marechal aos superiores austríacos, seriam afastados antes da chegada da nova esposa. A pressão sobre o fim da ligação aumentava com o passar dos meses.

A 13 de agosto de 1827, nascia no Rio de Janeiro, Maria Isabel de Alcântara Brasileira, a última filha de Domitila com D. Pedro. Assinado o contrato de casamento com Amélia de Leutchemberg, o casal se separaria definitivamente. Além de abandonada pelo amante, viu seus amigos destituídos de funções no Paço. Uma carta dá a medida da personalidade desta mulher: “Senhor. Eu parto esta madrugada e seja-me permitido, ainda esta vez, beijar as mãos de Vossa Majestade, por meio desta, já que os meus infortúnios e minha estrela má me roubam o prazer de fazer pessoalmente. Pedirei constantemente ao céu que prospere e faça venturoso o meu imperador. E quanto à marquesa de Santos, senhor, pede a V. M. que, esquecendo como ela tantos desgostos, se lembre só mesmo, que a despeito das intrigas, que ela em qualquer parte que esteja saberá conservar dignamente o lugar a que V. M a elevou”. Fim de caso… – Mary del Priore

domitila imperador

Titília e Demonão”: o casal de amantes causou escândalo no Primeiro Reinado.

11 Comentários

  1. leticia
  2. Bruna
  3. Claiza
  4. LUIZ ROBERTO SILVA RODRIGUES
  5. Nelson Adams Filho
      • Lenize Villaça
    • Lenize Villaça

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