As mulheres do século XXI saíram de casa, ganharam a rua e a vida. Hoje trabalham, sustentam a família, vêm e vão, cuidam da alma e do corpo, ganham e gastam, amam e odeiam. Quebraram tabus e tradições. Não é pouco para quem há cinquenta anos só tinha um objetivo na vida: casar e ter filhos. Ser feliz? Ao arrumar uma aliança no dedo, a felicidade vinha junto.
Antigamente, no tempo das avós, era ainda mais complicado. Nem se escolhia o marido; a família decidia pela noiva. Tampouco as mulheres saíam de casa; o trabalho era doméstico. Ao passar de senhorita à senhora, a mulher se tornava uma matrona respeitosa. Tinha que se comportar como uma santa. Os constrangimentos para ganhar dinheiro – coisa de homem – eram enormes. A rua? Lugar de mulher “fácil”.
Com tantas mudanças, como passamos de um mundo ao outro? A tecnologia e a educação ajudaram, mas não acompanharam mentes nem corações. A aceleração do tempo, diversa nas diferentes partes do país, conservou traços do passado no presente.
Por isso, vale a pena conhecer os caminhos que as mulheres trilharam, pois, para que o século XXI seja delas, de todas elas, é preciso compreender os passos dados, corrigir rotas, sair de si próprio e pensar no coletivo. Conhecer a história de sua mãe e de sua avó já é um bom começo.
Para começar, lembre-se de que, não importa a forma como as culturas se organizaram, a diferença entre masculino e feminino sempre foi hierarquizada, sobretudo depois de concebido o sacramento do matrimônio. Mas, apesar de Adão ter sido criado antes de Eva, ,a situação das mulheres mudou. Mudanças lentas, sem dúvida. Os anos 1970 e 1980 foram emblemáticos: elas entraram no mercado de trabalho, tomaram pílula e queimaram sutiãs. A revolução não ficou sem resposta. O nível de violência contra mulheres aumentou e houve até quem matasse a sua, por usar biquíni, fumar ou assistir Malu Mulher, série de televisão sobre uma médica divorciada e emancipada. Contra as mudanças, o que foi considerado um “castigo de pecados” caiu dos céus como um raio. A tranquilidade sexual que vinha sendo conquistada sumiu, pois a aids desembarcou no Brasil! Constatados os “equívocos da liberação sexual”, muitas delas voltaram rápido ao tradicional casamento, ainda uma das melhores opções em termos afetivos, econômicos e sociais. Velho como Matusalém, ele continua inspirando o imaginário de muitas brasileiras.
Recentemente, uma pesquisa questionou a vinte casais da classe média carioca: O que é casamento? A resposta de 95% das entrevistadas foi: Uma relação de amor. A de 100% dos homens: A constituição de uma família. São visões diferentes e frustrações, idem. Mulheres encaram a separação como consequência do fim do amor. Já para grande parte dos homens, o fato de a relação não ser um mar de rosas não justifica um rompimento. Bem ou mal, eles têm uma família.
A mola mestra da maioria das separações é antiga e, no entanto, atualíssima: a constatação de que o sexo oposto é exatamente isto: oposto. Oposto e desigual. Apesar da proclamada igualdade entre mulheres e homens – elegemos até uma presidenta! –, vivemos uma longa tradição machista. E, de modo curioso, somos nós que a alimentamos. Estudiosos de revistas femininas, letras de músicas e imagens publicitárias demonstram que “uma mulher livre” não é, absolutamente, aquela que faz escolhas, e sim a que se conforma aos modelos da mídia; que só se enxerga através da visão do homem. Ou seja, as leis mudam, mas o essencial continua intocado: mulheres continuam a educar seus filhos e tratar os maridos, reforçando a idéia de superioridade do sexo masculino. Filhos não lavam louça. Maridos não fazem a cama. Em casa, elas devem agradá-los. Só gostam de ser chamadas do que for comestível, tipo “gostosa” e “docinho”. Mulher inteligente? “É sapatona!” Mulher fruta? “Linda” – as outras querem ser iguais a ela. Palavrões e pancadas? Algumas acham que tal forma de demonstrar zelo e ciúmes “é boa”; que, quando Nélson Rodrigues afirmou que “mulher gosta é de apanhar”, estava certo.
A conhecida jornalista Carmem da Silva dizia que esse conformismo era uma maneira de enganar a si mesma; que a brasileira abrigava em seu íntimo um conflito de identidade que brigava com a realidade. Queria ser boazinha ou não, conforme as circunstâncias; doce ou áspera segundo o impulso do momento; forte ou fraca, dependendo da situação; bonita ou desleixada de acordo com o ânimo. Na verdade, sim: ela gostaria de se livrar de rótulos e imagens da “mulher perfeita”, ou seja, da submissa, para começar a “ser”…
As mulheres do século XXI são feitas de rupturas e permanências. As rupturas empurram-nas para frente e as ajudam a expandir todas as possibilidades, a se fortalecer e a conquistar. As permanências, por outro lado, apontam fragilidades. Criadas em um mundo patriarcal e machista, não conseguem se enxergar fora do foco masculino. Vivem pelo olhar do homem, do “outro”. Independentes, querem uma única coisa: encontrar um príncipe encantado. Têm filhos, mas se sentem culpadas por deixá-los em casa. Em casa, querem sair para trabalhar. Se cheinhas, querem emagrecer. Se magras, desejam seios, nádegas e o que mais tiverem direito… em silicone. Desejam o real e o sonho, de mãos dadas. São várias mulheres em uma. Buscar o próprio rosto entre tantos outros é o desafio. – Mary del Priore.
Esse é um assunto polêmico. Sem dúvida, liberdade implica em fazer escolhas – e temos o remoto exemplo de Penélope em determinado momento – mas acho que as mudanças citadas no texto, não foram tão conscientes assim, haja vista que, se para os “homens uma relação ruim não justifica o rompimento”, e é verdade, para mulher também não, porque se submete às violência mais desrespeitosas e avassaladoras e continuam casadas, mesmo que o amor, se houve, não exista mais, logo,quase nada mudou, apesar de todas as lutas, mudanças de paradigmas, e mais…A brasileira briga mesmo é com a própria identidade, antes de tudo…