Na América portuguesa, as Constituições primeiras do arcebispado da Bahia, impressas em 1720, fonte da regulamentação moral no período colonial, não deixavam dúvidas: a impotência era causa de anulação matrimonial, quando algum contraente, já antes do matrimônio, “não era capaz de geração por falta ou desproporção dos instrumentos da cópula ou a falta provenha da natureza, arte ou enfermidade, contanto seja perpétua”.
Mas a pergunta do historiador é: como se sobrevivia no passado à maldição da impotência? Que cuidados existiam para aprimorar a então chamada “obra de Vênus”? Graças ao pesquisador italiano Piero Camporesi, sabemos que a potencialização da luxúria tinha função explícita: restaurar o arsenal sexual do amante, solicitar, acordar e excitar o apetite viril. Isso, pois, nessa cultura e nesses tempos, o sentido da vida e a presença humana ativa sobre o teatro do mundo passavam pela medida de virilidade e fecundidade. Essas eram teste fundamental quanto à capacidade de interpretarem, homens e mulheres, seu próprio papel na cena das representações insidiosas da carne. Insidiosas, porém necessárias, afinal, “o crescei e multiplicai-vos” era obrigatório, e a Bíblia já o tinha estipulado.
Sublinha Henrique Carneiro, especialista no estudo e em fármacos, que essa preocupação foi estrutural na sociedade ocidental cristã. Só que, na Idade Média, os limites entre virilidade, fecundidade e os desdobramentos do desejo sexual excessivo ainda não tinham sido de todo demarcados. Os filtros do amor, por exemplo, alimentaram a literatura do Renascimento medieval. O exemplo máximo é a estória de Tristão e Isolda, em que a poção mágica tem decisiva importância na trama que leva a heroína aos braços do herói. No século XII, o filtro é considerado um instrumento legítimo do desejo, mas uma viragem ocorreu. O casamento monogâmico e indissolúvel, tal como foi instituído pela Igreja Católica no período, era tido como um remédio contra a concupiscência. Seu objetivo fundamental era a procriação e os filhos; a felicidade e o desejo eram secundários. Prova disso é que, um século mais tarde, acirrada repressão se abateu sobre práticas afrodisíacas baseadas em poções, cuja condenação foi explicitada até no Manual dos inquisidores escrito pelo Inquisidor Nicolau Eymerich, em 1376.
Segundo Henrique Carneiro, nos registros da colonização portuguesa, tanto na Ásia quanto na América os afrodisíacos aparecem tanto que nos fazem crer que eram buscados com insistência. Era como se, no início da Idade Moderna, tanto a tradição afrodisíaca quanto aquela outra, normativa recém-instaurada, ainda estivessem largamente imbricadas. Garcia da Orta, autor seiscentista português, preocupa-se em registrar, nas suas observações de naturalista, tudo o que pudesse dizer respeito à disfunção ou ao aprimoramento das funções sexuais. Em suas obras, ele menciona o âmbar, “bom para conversação com mulheres”; a “assafétida”, para “levantar o membro” e para as “festas de Vênus”; as cubebas para “ajudar a Vênus” e o bétel, “que para as bodas de Vênus é principal alcoviteiro”.
Até o ópio, conhecido como anfião, segundo um surpreso Orta, era usado com fins luxuriosos, pois, embora “os físicos todos letrados me afirmavam, tornava os homens impotentes”, confessa, deixava-os “fora de si”, estimulando a “virtude expulsiva”, ou seja, aquela que “deita nos testículos a virtude genital”. Comia-se ópio para prolongar o prazer sexual, ou, como se dizia então, “para acabar o ato venéreo mais tarde”. A banana e o figo, conforme esse autor, possuíam, por virtudes analógicas óbvias com as partes sexuais masculinas, também aquelas de “excitar a deleitação carnal”. A jaca assada com castanhas, idem, de acordo com Cristóvão de Acosta, médico e naturalista português. O banguê, ou maconha, era mastigado para ajudar o “ato venéreo” ou ingerido em pó, misturado a cravo e noz-moscada.
A própria pimenta, especiaria responsável pelo comércio ultramarino, permitia associar o ardor do alimento com a inflamação erótica, sendo considerada “fumacenta e penetrativa…, prejudicial à saúde, maiormente da alma, porque provoca a sensualidade”. Perfumes e odores, como o almíscar, extraído do cervo ou do castor, ou o âmbar gris, do intestino de cachalotes, aproveitavam-se muito para a “conversação com mulheres”. E o século XVII, que assistiu a uma avalancha de processos contra impotentes, viu, também, o desenvolvimento de polvilhos, contas, incensos, pastilhas e águas odoríferas com nítida referência afrodisíaca.
A preocupação que sempre seguia à descrição de tais produtos era, contudo, de ordem moral. Diferentemente do que ocorria na Idade Média, o excesso do consumo de afrodisíacos passou a ser severamente condenado. É importante lembrar ainda que, pelo menos durante o Renascimento, se a reprodução era assunto importante para médicos e teólogos, a chamada “cópula carnal” revestia-se, no entender desses profissionais, de grandes riscos.
É bom não esquecer que a mulher era considerada, então, um acólito de Satã e portadora de uma porta úmida que se abria para o inferno. Acreditava-se que o obscuro golfo da vagina escondia, em suas águas lívidas, seivas nefastas impregnadas de pecado e doenças ignóbeis. A “sombria caverna”, o pântano pútrido, abrigava o membro considerado por Aristóteles como inobediente a seu dono. Não é à toa que cronistas e os primeiros médicos que vêm para a América portuguesa, como o holandês Guilherme Piso, registrariam que excessos libidinosos comuns entre indígenas ou mazombos levavam a “perpétuas vigílias” e a febres. Culpa das mulheres e das obras de Vênus.
Segundo Carneiro, essa visão tornou-se mais densa a partir do século XVII, momento em que, em um contraste evidente com textos médicos botânicos do século XVI, “o serviço de Vênus”, ou a luxúria, passa a ser atacada. Mais: a ser medicalizada, sendo considerada, além de pecado, enfermidade. Não obstante, afirma tal autor, as plantas incitadoras dos sentidos sensuais continuam a ser registradas em algumas obras, afinal, persistia a preocupação com o bom desempenho sexual. Entre elas, acha-se a prosaica hortelã – “esta erva é quente e seca… é boa para dores de cólica, de estômago, do útero e da cabeça; provoca atos libidinosos”, informava o médico português Francisco da Fonseca Henriques, em 1731; “os nabos são quentes e úmidos, cozem-se com facilidade e nutrem pouco… pelo seu calor e flatulência incitam a atos libidinosos”; igualmente, “a cenoura… quente e seca”.
Questões relativas à potência sexual percorreram, durante a Idade Moderna, a região fronteiriça entre o pecado, a doença e o vício, como afirma Carneiro. O uso de plantas para fins libidinosos era evidenciado na importância dos unguentos e filtros e na perseguição de benzedeiras, curandeiros e bruxas, que os empregavam na magia capaz de tornar qualquer um impotente.
- texto de Mary del Priore. “Corpo vazio: o imaginário sobre a esterilidade entre a Colônia e o Império”. IN: “História do Corpo no Brasil”, editora Unesp, 2011.
“Tristão dividindo a poção do amor com Isolda” de John Duncan, 1912.