A Revolta Paulista de 1924, também chamada de ‘Revolução Esquecida’, foi a segunda revolta tenentista e o maior conflito bélico da cidade de São Paulo. Teve início na madrugada de 5 de julho e terminou em 28 de julho de 1924. Ela resultou do descontentamento dos militares com a crise econômica e a concentração de poder nas mãos de políticos de São Paulo e Minas Gerais. Comandada pelo general reformado Isidoro Dias Lopes, contou com a participação de vários tenentes, dentre os quais Juarez Távora, Eduardo Gomes, Índio do Brasil e João Cabanas. O objetivo principal do levante era depor o presidente Artur Bernardes, considerado inimigo dos militares desde a crise das cartas falsas. Entre as reivindicações estava o voto secreto, a justiça gratuita e a instauração do ensino público obrigatório, pauta também dos movimentos anarquistas. Ela teve repercussão em Sergipe e Amazonas, mas nestes estados o movimentos foram dominados pelo governo local.
Deflagrada na capital paulista em 5 de julho de 1924, a revolta ocupou a cidade por 23 dias, forçando o presidente do estado, Carlos de Campos, a fugir para o bairro da Penha, na zona leste de São Paulo, em 9 de julho, depois do bombardeio ao Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo. Os revoltosos tomaram quartéis e estações, mas, esqueceram de cortar as comunicações. Carlos de Campos ficou instalado em um vagão adaptado, na estação Guaiaúna, onde se encontravam as tropas federais vindas de Mogi das Cruzes. No interior do estado de São Paulo, pipocaram rebeliões em várias cidades, com tomada de prefeituras.
Ao chamado das armas, a cidade de São Paulo foi bombardeada por aviões do Governo Federal. O exército leal ao presidente Artur Bernardes se utilizou do chamado “bombardeio terrificante”, atingindo vários pontos da cidade, em especial bairros operários, como a Mooca e o Brás, e de classe média, como Perdizes. Sem poderio militar equivalente, sem artilharia nem aviação para enfrentar as tropas legalistas, os rebeldes retiraram-se para Bauru na madrugada de 28 de julho, onde Isidoro Dias Lopes ouviu a notícia de que o exército legalista se concentrava na cidade de Três Lagoas, no atual Mato Grosso do Sul. No caminho, tiveram que enfrentar os “pelotões patrióticos” armados por grandes ou pequenos fazendeiros e comerciantes, voluntários para combater o golpe. Nesses pelotões, civis de diferentes grupos, representantes de realidades diversas confrontavam-se aos tenentes e seus ideais. Era gente que defendia o que julgava ser seu, que se acomodava como podia aos fatos, indiferente às questões ideológicas salvo o horror compartilhado às idéias comunistas.
Às 10 horas da manhã de 28 de julho, Carlos de Campos retornou ao seu gabinete no Palácio do Governo. Isidoro Dias Lopes e Juarez Távora planejaram, então, um ataque a Três Lagoas, na divisa de São Paulo com Mato Grosso. Essa, no entanto, foi a maior derrota de toda esta revolta. Um terço das tropas revoltosas morreu, feriu-se gravemente, ou foi capturada, explica a historiadora Ilka Cohen.
A revolução teve impacto na economia e alguns escritores nunca a esqueceram. O conflito paralisou as atividades editoriais da empresa Monteiro Lobato & Cia de Monteiro Lobato, fazendo-a acumular dívidas. Meses depois, ocorreu uma crise energética em São Paulo, por conta de forte seca, que reduziu muito a capacidade das máquinas de imprimir. Sem crédito bancário, restou a Lobato abrir falência. O pai de Lélia Abramo, que tinha uma serraria e uma beneficiadora de algodão na fronteira de São Paulo com Paraná, também foi arruinado: “com a revolução de Isidoro Dias Lopes as comunicações rodoviárias e ferroviárias tornaram-se difíceis. O algodão já beneficiado e a madeira serrada não puderam ser entregues a tempo para comercialização e os prejuízos de meu pai foram enormes […] a condição econômico-financeiro da família havia iniciado sua queda”, Lélia registrou.
A escritora Zélia Gattai, não a esqueceu, pelas mesmas razões de Lélia Abramo:
“Julho de 1924. Ao chegar à escola, certa manhã, fui avisada de que não haveria aula, pois estourara uma revolução na cidade. Voltei apressada, doida para contar a novidade… Ninguém conhecia detalhes da tal revolução, mas falava-se no nome de Isidoro Dias Lopes, chefe da revolta… Mamãe tomou uma decisão: apanhou a caderneta da venda – pagávamos tudo o que comprávamos ao final do mês – e saiu acompanhada dos três filhos mais velhos para ajudá-la a trazer mantimentos que ela se dispunha a armazenar, com o objetivo de se garantir para qualquer eventualidade… Papai era quem mais se preocupava: logo agora que acabara de tomar pé na vida… Os carros haviam chegado recentemente – dois já estavam vendidos, mas a firma pedira aos compradores que os deixassem em exposição, enquanto preparava os papéis para o emplacamento. Assim aproveitaria mais alguns dias de propaganda… Outros “Alfa”, já encomendados, estavam a caminho do Brasil. E agora? Em plena revolução, num clima de incerteza, quem iria comprar carro novo?
Em nosso bairro não havia movimento militar. Apenas boatos, os mais desencontrados. A última notícia que corria de boca em boca, era que no Brás tinham levantado barricadas nas ruas, bombas explodiam, havendo tiroteios com mortos e feridos. As fábricas haviam fechado, o povo assaltava postos de abastecimento. As fábricas fechadas, ninguém recebia o salário, nenhum armazém vendia mais pelo sistema de cadernetas, agora só na ficha e assim mesmo estava difícil encontrar-se o que comprar…. As padarias vendiam apenas uma unidade por pessoa… Papai andava nervoso. Aquela revolução dos Tenentes, “revolução que não conduz a nada”, não o entusiasmava. Não tomou partido, aliás, tomou: era contra aquilo tudo. O boato de que os revolucionários estavam requisitando automóveis começou a circular… Diante dos boatos insistentes, pelo sim e pelo não, papai achou prudente pôr os carros novos a salvo […] os automóveis foram em seguida escondidos na sessão de pintura, lugar camuflado no fundo de nossa garagem. Saíram novamente às pressas, em busca dos que restavam. Chegaram à loja tarde demais! O pelotão revolucionário acabara de sair carregando os dois carros. Arrasado, papai voltou para casa..
Acordamos certa madrugada com um barulho estranho. Soldados tiravam os paralelepípedos do meio da rua, construíam uma trincheira bem em frente à nossa casa. O dia nem clareara e já estávamos de pé. Pânico generalizado entre os adultos, para as crianças a maior festa. Ninguém sabia nada do que estava acontecendo, nem do que podia acontecer. Os soldados não davam nenhuma informação concreta. Recomendavam apenas que entrássemos em nossas casas, pois a situação não estava para brincadeiras… Felizmente, quando menos se esperava , a revolução terminou. Isidoro derrotado, papai arruinado”.
Mais um chefe de família arruinado. Desta vez, um imigrante italiano, freqüentador das reuniões anarquistas que passou de motorista de família rica a dono de oficina. Depois do grande esforço, se viu sem nada. Quando bem-sucedido, importou quatro carros Alfa-Romeo, da Itália, para vendê-los em São Paulo. Os autos foram confiscados pelos revoltosos. “Malditos tenentes”, vociferava o pai Gattai. A família, na miséria:
“O país estava em crise. A palavra crise era a que mais se ouvia, em toda a parte. Ela conseguira me afligir. Não era por acaso a crise que andava preocupando tanto meu pai? Não fora ela quem fizera seu rosto alegre tornar-se pensativo e carregado? Positivamente ninguém dispunha de dinheiro… Creio que papai estava vivendo de empréstimos – coisa que o deprimia – pois não possuía nenhuma fonte de renda e as economias já haviam voado… Um dia, ao pedir a papai dinheiro para a carne e os legumes, num gesto brusco ele me entregou a carteira vazia. Deve ter sofrido muito depois com essa reação impensada, incompatível com sua maneira de ser. Saiu, voltou mais tarde e entregou-me – fez questão de entregar em minhas mãos – dez mil réis: “Veja se dá para tentear por alguns dias…”. Falava com muita humildade. Tive vontade de chorar. Em casa andávamos inteiramente sem graça, jururus”, registrou a menina Zélia.
Vencidos, os revoltosos marcharam, então, rumo ao sul do Brasil, onde, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, uniram-se aos oficiais gaúchos comandados por Luís Carlos Prestes, no que veio a ser o maior feito guerrilheiro, até então: a Coluna Prestes. Como em todo combate, nesse sobraram vítimas. Um inquérito feito pelo Governo do Estado de São Paulo, logo após o fracasso do movimento subversivo de julho de 1924, detectou inúmeros casos de vandalismo e estupros no interior do estado de São Paulo, especialmente sob os olhos do Tenente João Cabanas, que comandava um grupo de revoltosos denominado Coluna da Morte. No bairro de Perdizes, a revolução de 1924 ainda é comemorada anualmente. O saldo final registrou a morte de cerca de mil pessoas e quatro mil feridos.
- Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: República 1889-1950 (vol.3)”, editora LeYa, lançamento dia 4 de outubro (amanhã).