No campo da leitura, a oferta era imensa, sobretudo na capital do Império. Na rua “d´Ouvidor” alugavam-se livros “chez P.Plancher Seignot”. O livreiro Crémières, por exemplo, tinha cerca de 400 volumes que arrendava por “um mês ou por dias”, reproduzindo um hábito instalado em Paris, desde os fins do século XVIII. Do porto do Havre, chegavam cargas de livros vendidas ao soar do martelo: “Livres d´ocasion à vendre pour cause de départ” – é título de anúncio publicado regularmente. Seguia-se a lista de livros, de variados gêneros: Boileau, – o historiador de Luís XIV – Mirabeau – o Ensaio sobre o despotismo ou as Cartas para Sofia – Madame de Stäel, – os best seller´s Corinne e Delphine, recheados de adultério e amores frustrados -dicionários de “Francês de algibeira” – os primeiros livros de bolso. Ofereciam-se desde manuais de “Éloquence Judiciaire”, tão ao gosto de nossos homens de gabinete a curiosidades como certo almanaque para conhecer a idade das mulheres e saber se um indivíduo tinha dinheiro no bolso. Não faltavam traduções de “moderníssimas novelas”, como anunciava a Gazeta do Rio de Janeiro, entre elas, “Sinclair das ilhas”, folhetim que teria despertado em José de Alencar sua vocação de romancista e que encantou Machado de Assis. Nesta época, o lazer masculino se fazia cada vez mais fora de casa: cafés, livrarias e cocottes estavam a seu dispor nas ruas e nascia a imagem do “flaneur” a percorrer as ruas da Corte.
Livro nas mãos, o “gamenho” – nome que se dava ao almofadinha ou ao “dandy”– dirigia- se para os principais pontos de encontro, então: os cafés-literários ou o “cafedório” como eram chamados na Belle Époque: o Café do Rio, no cruzamento da rua do Ouvidor com a rua Gonçalves Dias; o Java, no Largo de São Francisco; o Paris, o Globo. No café Jeremias ou na Americana reuniam-se os “rapazes instruídos”. Já no Papagaio, os frequentadores só consumiam café. Não tinham dinheiro para a “virgem loura” – a cerveja – e muito menos, para o whisky, bebida que começava a se incorporar aos hábitos urbanos e mundanos.
Outro ponto de predileção das celebridades literárias e de seus leitores eram as confeitarias Colombo e Pascoal. Ali se consumia a “musa” ou “fada verde”, o absinto e devoravam-se empadas com apetite. Foi ali que certa tarde, João do Rio, ainda garoto, ouviu certa senhora de sociedade, a baronesa de Mamanguape dirigir-se a uma fisionomia simpática: “Sr. Olavo Bilac…”. Ambas as casas abriam para “aperitivos” às três da tarde, conta-nos Bastos Tigre:
“Aí se traçaram planos de grandes revistas de arte, de jornais de combate, de poemas, de romances, planos nunca realizados. Ficaram nos fundos dos copos. Mas se falharam os grandes projetos, nasceram belos versos de Bilac, de Murat, de Emílio de Severiano de Resende, de Guimarães Passos, conferências que, tudo somado, resulta num cascalho literário onde fulgem alguns diamantes do melhor quilate. E saiu o que de melhor possuímos na sátira, na literatura chistosa, alegre, que vai do mais fino “esprit gaulois” (a França, sempre!) à chalaça […] e a piada nacional”.
Mas não era só na grande literatura que mergulhavam os leitores masculinos da época. Nesse momento, começaram a circular os chamados “livros para homens”, eufemismo para literatura pornográfica, ou esses livros que – como disse um historiador francês – se liam com uma mão só; a outra? Bem… a outra estava ocupada onde se pode imaginar.
Estudos realizados por Alessandra El Far demonstram que no extenso universo de leituras da segunda metade do XIX, tais obras não faltaram. Na forma de brochuras com inúmeras gravuras e estampas, os textos eram um sem fim de prazeres e gozos. Considerados “sujos”, imorais e torpes inspiravam-se de toda a sorte de temas, já explorados por autores franceses no século XVIII. A vida amorosa dos grandes homens e, sobretudo, os amores conventuais sempre na moda como se pode ver pelos Serões do convento, Suspiros de um padre, A mulher e o padre. Não faltavam títulos mais picantes como Amar, gozar, morrer, Os prazeres do vício, Gritos da carne, História secreta de todas as orgias, entre outros. O assunto da mulher adúltera, virgem, devassa ou pertencente às altas rodas de prostituição também figurava entre os best-sellers: Eva, Carmem, Isaura, Júlia de Milo, A divorciada, A mulher do doutor, eram das tantas que não deixavam a imaginação dormir.
Havia muitos textos que se limitavam a descrever uma sucessão de cópulas. Palavras chulas em francesas como “pica”, “caralho”, “porra” eram cuidadosamente substituídas e viravam “varinha de condão”, “lança”, “instrumento”, “furão” ou um nada sensual “apêndice varonil”, que na tradução ficava assim: “a língua de Joana tocando ao de leve, os apêndices do querido cetro, causava-lhe um prazer que se traduzia na rapidez dos movimentos e nos suspiros que soltava”. O excesso de cenas libidinosas não dava lugar para mais nada. Desejos secretos, depois de realizados, eram seguidos de cruéis castigos. Afinal, trair o aconchego amoroso da vida conjugal e burguesa para se prodigalizar, solitariamente, prazeres proibidos não podia terminar, numa sociedade moralista, se não com um fim trágico.
Aconselhadas para dias de “impotência e fraqueza”, tais leituras foram certamente de grande utilidade para o contingente maciço de imigrantes que chegou aos portos brasileiros, em especial no Rio de Janeiro como o demonstrou Carlos Lessa, na segunda metade do século. Encontraram aí um quadro desproporcional entre homens e mulheres, e a literatura pornográfica deve ter sido uma distração bastante requisitada…- Mary del Priore
“O banho turco”, de Jean-Auguste Dominique Ingres.
Extremamente interessante o texto destacando os títulos de cunho pornográfico – frisando também na leitura masculina.
Pergunto-me se as mulheres, mesmo que de escondidas, tinham acesso aos tais livros. Porque o que sempre me salta aos olhos é a ausência das mesmas nos assuntos da sexualidade explícita/pornográfica/erótica – exceto no papel de objeto do desejo ou da fantasia.
Vemos que muitas vezes, quando resolviam envolver-se diretamente na produção, escondiam-se atrás de pseudônimos, como Anne Desclos que assinou seu “História de O” como Pauline Reage. Demorou até que pudéssemos ter uma Erika Lust.
Mesmo hoje quando produzem muitas vezes passam por dilemas pessoais – é o meu caso: tenho um livro erótico/pornográfico publicado (o “Rainha Sarah – Um”). Especialmente levando em consideração minha profissão – professora – e também o fato de que meu livro trata de fetiches não convencionais, relacionados à dominação de homens por mulheres e mais detalhes do universo BDSM.
E, sinceramente, desde sempre, a quase ausência das mulheres, em especial de brasileiras, neste universo que também nos interessa me deixa intrigada. Temos Adelaide Carraro e Cassandra Rios – e quem mais? O que manteria as mulheres brasileiras afastadas deste nicho? Desinteresse? Medo? (É um fator importante, claro – eu mesma tive que superá-lo para ter a coragem de colocar meu nome na capa e não o pseudônimo que usei por mais de um ano no blog, onde angariei a maioria dos meus leitores. Imagine o medo da reação dos pais, alunos e diretores a um livro que fala de muitas perversões/fetiches de maneira aberta e clara!).
Enfim, é sempre interessante ver um dos meus temas de predileção, a pornografia, retratado em ambientes outros que não os do privado – e sim na academia, recebendo o olhar de estudiosos que, finalmente, buscam entender a influência, motivações e usos deste gênero que permeia as artes, a literatura – a história.