Educadas para a maternidade

Na segunda metade do século XIX, de coisa natural – a árvore que dava o fruto –, a maternidade passou a matéria a ser ministrada. Ao final do mesmo século, já tinha se tornado questão de ordem pública. Medidas de proteção à gestação e ao parto começavam a ser tomadas. A mortalidade infantil assustava. Para proteger mães e filhos, lançou-se mão de uma revolução sanitarista que buscava abafar o passado “atrasado”. A herança do colonialismo e da escravidão tinha de ser substituída pela “modernidade”. E o que significava isso? A transformação da mulher em máquinas de fazer filhos, mas, sobretudo, cidadãos e soldados para o bem da pátria.

Nascia a “maternidade científica”: aquela que seria acompanhada por médicos, amparada pela mamadeira com leite artificial – invenção americana dos anos 1890 – e pela promoção da mulher como auxiliar dos médicos na luta por uma sociedade mais saudável. Organizações filantrópicas ajudavam. Mulheres de classe média e alta organizavam programas de assistência às mães pobres. Palestras sobre higiene infantil e saúde pública promoviam a atuação feminina na “ascensão física e moral” da população brasileira. Multiplicavam-se creches beneficentes para que mães pobres pudessem trabalhar. No II Congresso Internacional Feminista, defendeu-se que “fosse feito um apelo às mulheres brasileiras, visto que era responsabilidade do sexo feminino, por excelência, a proteção e a defesa da criança”.

O papel social preponderante da mulher era ser mãe: “A maternidade, o cuidado e os carinhos com sua prole são os primeiros deveres da mulher”, admoestava o número de junho de 1916 de Vida Doméstica. E prevenia: “A mulher que não for boa mãe, deixa por isso mesmo de ser mulher”. Atributos normalmente associados à feminilidade reforçavam o caráter “natural” da maternidade. “Com o nascimento dos filhos, o papel da mulher já nobilitado pelo amor, aumenta bruscamente”, informava a Revista Feminina de maio de 1923. “Que virtude brilhante manifesta a mulher como mãe”, martelava a Vida Doméstica.

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Mas qual mãe? A “nova”. Não bastava gerar filhos. Era preciso ser educadora e dirigente moral da sociedade; era preciso pensar que o Brasil necessitava de exércitos, de braços. A nova mãe possuía sentimentos cívicos. Nas revistas, publicavam-se fotografias com o subtítulo “quando eu tiver vinte anos… serei um valente soldado brasileiro”. O pequerrucho da foto contava apenas seis meses!

Ai de quem descumprisse seu “dever maternal”. Com filhos, o divórcio seria impensável, afirmava a Revista Feminina. Era preciso um sacrifício, “por ser mãe e viver para os filhos”. Senão, virava “fera”.

Nas páginas das revistas, a maternidade servia aos anúncios de publicidade. Ovomaltine, por exemplo, anunciava-se com a chamada “Uma mãe feliz”. Ambos, ela e o bebê, sorviam gulosos o alimento à base de leite, ovos e cacau.

A “nova mãe” deveria aprender, pois a maternidade era uma “ciência”. O médico higienista, doutor Fontenelle, explicava: “Já está absolutamente provado que a mais importante causa da mortalidade infantil é a ignorância das mães”. Nada de danças ou futilidades. Apenas a instrução permitia-lhes colaborar para o desenvolvimento do país. Em junho de 1929, foi criada em São Paulo, sob os auspícios da Liga das Senhoras Católicas, a Escola de Economia Doméstica, cujo objetivo era “formar boas mães de família, que por sua vez darão à Pátria filhos valorosos e fortes, inteligentemente educados na moral”. Importou-se mesmo da Suíça uma professora para ministrar os cursos: mademoiselle Girodat.

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A puericultura entrou na moda. O “ensino vivo da higiene”, também. O livro do pediatra Antonio Wittrock, Guia das mães, tornou-se leitura obrigatória. Ele ensinava que era preciso abandonar as “crendices do passado” e confiar no médico. Distribuíam-se “conselhos” e “ensinamentos” sobre medicina doméstica e doenças infantis, desmame e alimentos adequados. Anunciavam-se produtos: a Camomilina, a farinha láctea Nestlé, os mingaus Otker. Especialistas condenavam o uso da chupeta e os mimos excessivos – crianças assim criadas resultariam em adultos medíocres. Viva a moderação! Pediatras ocupavam colunas em revistas femininas lembrando mais uma vez que apenas a “alimentação racional dos filhos” os fazia “fortes e sadios”, concorrendo para “elevar bem alto o nome de nossa querida Pátria”. O medo da morte dos pequenos e a alta mortalidade infantil ajudavam a consolidar o papel da “nova mãe”. O I Congresso de Proteção à Infância, realizado no Rio de Janeiro em abril de 1923, elegia dois heróis: os médicos e as mulheres como salvadores do País! – Mary del Priore.

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 “Madona e criança”, de Pompeo Batoni.

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