A vanguarda feminina à direita: contra o feminismo e o trabalho feminino

Por Tércio Amaral
Mestrando em história (UFRPE) e repórter de política do Diário de Pernambuco

Apesar de ser considerado um movimento conservador, mulheres tiveram 
participação efetiva na Ação Integralista Brasileira em Pernambuco na década 
de 1930

O documento repousa já amarelado pelo tempo, desconexo dentro de pastas e prontuários. A mulher é negra, tem cabelos lisos pretos, 25 anos completos, é casada e doméstica. O polegar direito, registrado em seu título de eleitor retirado em 31 de agosto de 1937, também revela que as mãos são delicadas, os dedos finos. Estamos falando de Abiail Félix da Silva, uma das mulheres que poderiam ter feito parte da extinta Ação Integralista Brasileira (AIB) em Pernambuco, movimento de orientação fascista e que considerava o sexo masculino o mais importante, mas só agora, revela um traço curioso: a participação de mulheres dentro de suas fileiras lutando contra o trabalho feminino, o feminismo e a manutenção da “família tradicional” na década de 1930.
A história de Abiail é uma das muitas que estão sem conexão dentro do Arquivo
Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje). E claro, chama a atenção: como
uma mulher e, ainda por cima negra, fazia parte de um movimento machista e
inspirado nos moldes do fascismo, que tinha como uma das bandeiras a “raça
pura” ariana? Essa peça se junta a outras numa pasta contendo documentação da
AIB em Pernambuco. Além do título de eleitor da doméstica, que morava no
bairro de São José, no Recife, surgem outros 43, sendo 38 de homens e apenas
cinco de mulheres. O acervo faz parte extinta Delegacia de Ordem Política
Social (Dops), que apreendeu, na década de 1930, tudo que fosse do movimento
considerado a “vanguarda” da direita no Brasil.

Buscar conexões entre este acervo e descobrir a presença feminina neste
conjunto inédito é o trabalho da historiadora Helisângela Andrade, mestranda
do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (UFRPE). A pesquisadora tem uma tarefa difícil: justificar a
presença de mulheres num movimento considerado preconceituoso aos olhos de
hoje. “O ingresso das mulheres no movimento se justifica por ser um movimento
pautado na família. Elas, além de fazerem parte da família, tinham enorme
importância biológica, pois dariam luz aos ‘filhos da pátria’. A maioria
dessas mulheres era levada às reuniões do Movimento Integralista por parentes
ou companheiros”.

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A reportagem do Diario teve acesso aos documentos da pesquisa e identificou a
presença de mulheres até mesmo na chefia dos núcleos integralistas do estado.
Dos 49 núcleos pelo menos dois, o de Queimadas, dirigido por Carmen Almeida, e
o de Sirinhaém, liderado por Maria do Carmo Leitão, tinham o comando feminino.
“Uma dessas mulheres integralistas, Maria do Carmo Dourado Rodrigues, esposa
de José Rodrigues da Silva, conhecido como José Batatinha, chefe municipal da
cidade de Garanhuns, se candidatou a um cargo político. Ela concorreu as
eleições municipais de 1935, mas não foi eleita. Mas o fato de, na década de
1930, uma mulher concorrer às eleições é um dado relevante”, comenta.

No Brasil, o Integralismo não foi tão rigoroso como seu “pai”: o fascismo.
Negros eram aceitos e os membros do movimento, inclusive as mulheres, tinham
um perfil heterogêneo. Quem propagava o discurso racista e antisemita era
Gustavo Barroso (1888-1959), um dos líderes, e não Plínio Salgado, principal
nome do movimento.

Passado fica só na lembrança
Se na época era “normal” ser uma mulher integralista, no sentido de passar uma
imagem respeitável, hoje em dia a situação é adversa. Uma das mulheres que
participaram do movimento, já na década de 1940, foi identificada pela
pesquisa e pela reportagem. Não quis falar. Seu depoimento ficará restrito à
academia e não ao jornal. Professora universitária aposentada, ela, que
aparenta seus 70 anos, não quer prejudicar o futuro político do filho, que
pretende fundar um partido político. As marcas do integralismo soam como um
“fantasma” em sua memória.

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“Após a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), a pauta dos integralistas ficou
rejeitada pela sociedade brasileira por conta das derrotas da Alemanha e
Itália, derrotadas no conflito e países que eles se inspiravam”, diz o
historiador Márcio André, 30, mestre em história pela UFRPE. O movimento
entrou na ilegalidade em 1938, ainda na Era Vargas, e só voltou em 1945 com a
criação do Partido de Representação Popular (PRP), de Plínio Salgado. Em
Pernambuco, o partido teve força até 1964, quando foi extinto pela ditadura
militar (1964-1985) e parte dos seus membros se alojaram na extinta Aliança
Renovadora Nacional (Arena).

Um dos exemplos da “força” do grupo são as reuniões entre intelectuais
recifenses, como o historiador Jordão Emerenciano, que iria para Garanhuns
proferir palestras para homens e mulheres no Centro Celso Vieira (já extinto).
Um professor da região, chamado de Dr. Mário Matos, era quem buscava às
meninas em casa e convencia os pais de que os encontros semanais fariam bem à
educação com aulas de filosofia e direito. Para muitas mulheres, se associar à
direita fascista era uma vantagem: esses temas não eram dados em escolas e nem discutidos em casa.
mulheres 4AIB

Conheça como se desenvolveu a Ação Integralista Brasileira em Pernambuco com
a participação feminina

1- A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi um movimento de características
fascistas, fundado em 7 de outubro de 1932 por Plínio Salgado (1895-1975). O
grupo tinha como lema Deus, Pátria e Família. É considerado o primeiro
movimento de massa no país.

2- Em setembro de 1934, é instalado no Recife, na Rua Barão de São Borja, nº
98, na Boa Vista, o departamento feminino da AIB. Um dos objetivos era
orientar o corpo feminino através de atividades físicas para que a mulher, em
pleno vigor, pudesse “povoar a pátria”.

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3- Entre as mulheres que se destacavam no movimento em Pernambuco o nome de Bernadete Mesquita surge como uma das grandes oradoras. Letícia Ferreira Lima, da Ação Integralista do Ceará, também vinha com frequência ao estado.

4- Um dos “grandes comícios” dos integralistas no Recife contou com a
participação do então padre Helder Camara (1909-1999), que era integralista e
posteriormente foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife. O comício aconteceu
na Torre, 30 de setembro de 1934.

5- As mulheres eram tratadas como “plinianas” ou “camisas verdes”. As
vestimentas eram obrigatórias nas reuniões da AIB, cuja saudação era a palavra
tupi “anauê”, já que o amor à pátria era um dos lemas do movimento.

6- Os membros usavam camisas verdes, calça escura, gravata preta e braçadeira
na manga com a letra grega sigma, sinal matemática de soma ou integral. No
caso das mulheres, as calças eram substituídas por saias brancas.

7- Um dos fatos curiosos na atividade “política” das mulheres foram as visitas
às fábricas e locais onde mulheres trabalhavam. Elas discursavam para mulheres
defendendo que o trabalho não era o local correto e sim o lar.

8- Obras de assistência eram desenvolvidas pelas mulheres que percorriam os
bairros pobres do Recife. Elas distribuíam roupas ou mesmo desempenhavam a
função de enfermeiras ajudando os mais necessitados.

9- O Integralismo era contra o feminismo, que lutava pela igualdade de
direitos entre os sexos. Para os integralistas, essa defesa iria infringir a
“lei natural”. No Nordeste, a AIB teve apoio do discurso religioso da Igreja
Católica.

Fontes: historiadoras Giselda Brito Silva
e Helisângela Andrade

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Fotos: Rodrigo Silvia/Esp.DP/D.A. Press sobre reprodução do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje).

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  1. Cristina Vereda

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