Calor e elegância no passado

Neste dias em que a temperatura está nas alturas, observamos que as roupas se tornam mais curtas, decotadas, leves e frescas. Como seria nos tempos coloniais, quando era impensável sair à rua sem todos os elementos que compunham a indumentária? Calçolas, ceroulas, saias, coletes, luvas, botas, chapéus e capas – confeccionados com tecidos, muitas vezes, pesados como a lã. Como fugir do calor? A solução era ficar em casa, bem à vontade.

Em contraste com a exuberância das vestimentas usadas nas ocasiões em que podiam sair às ruas, as mulheres adotavam um traje bem simples e fresco para ficar em casa e mesmo para receber as raras visitas. Era um tipo de camisolão ou camisa de mangas curtas, de tecido fininho e transparente, decotado. Eram chamados de “timão” ou “lava-peixe”. Algumas colocavam uma saia leve sobre essa roupa. O “macaquinho” de linho também era uma opção. As finas senhoras quase não usavam meias ou sapatos, apenas chinelas, ou ficavam descalças. Nada de espartilhos ou corpetes. O peito ficava descoberto, sem pudores. Os cabelos eram soltos, dispensando os exóticos apetrechos tão apreciados.

Luís dos Santos Vilhena, em 1800, na defesa das senhoras de Salvador, acusadas de serem “pouco honestas” pelos estrangeiros, apontou o clima tropical como o maior culpado pelas mulheres:

andarem dentro de casa em mangas de camisa, com golas tão largas, que muitas vezes caem, e se lhes veem os peitos, sem que esses maus críticos se lembrem de que estão na zona tórrida. Igualmente as notam de andarem em suas casas muitas vezes descalças […] sem meias, com camisas de cassa finíssima e cambraia transparente, sem que atendam, como disse ao clima que se acham (…)”.

Os homens também se tornavam desleixados na intimidade: dispensavam as meias ou as usavam caídas, a camisa branca ficava para fora dos calções, sem coletes, casacas ou capas. No máximo, uma jaqueta fina ou gibão (casaco curto). Os mais despojados vestiam apenas ceroulas e camisa. Sapatos eram substituídos por chinelos. Os ricos senhores de engenho adotaram um roupão “burguês” de algodão da Índia ou robe de chambre quando recebiam visitantes – o que era sinal de prosperidade e refinamento. Muitos viajantes estrangeiros se sentiam intrigados com a falta de elegância e decência dos trajes que os moradores locais usavam em casa, deslize que costumavam atribuir ao calor tropical.

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A indumentária masculina “de fora”, contudo, nada tinha de modesta. Além das roupas propriamente ditas, os homens elegantes não dispensavam alguns acessórios, como espada ou espadim (que podiam ser verdadeiras joias), bengala e bastão, guarda-chuva, lenço, chapéu e luvas. As pintas e sinais de tafetá, a exemplo do que ocorreu em Portugal, também se popularizaram aqui.

Os calções dos aristocratas eram de cetim ou outro tecido nobre, variando entre os mais curtos (quase como o balonê, visto nas recentes coleções de moda feminina) e os mais justos, que chegavam até os joelhos; meias de seda; sapatos com fivelas de ouro ou prata, com saltos; botas; camisas e coletes de veludo, seda ou damasco; gravatas quase sempre de renda; roupas de baixo brancas, rendadas ou bordadas. Os chapéus mais chiques ora tinham três pontas, ora duas, ora tinham forma de meia-lua. As cores mais em voga também variaram ao longo dos séculos XVII e XVIII, e, apesar de as escuras predominarem, muitos senhores abusavam das vivas. Para arrematar a elegância, redingotes, casacos, gibões ou paletós de tecido mais pesado. Os botões e abotoaduras eram de metais e pedras preciosas. Por cima de tudo, a capa, que também era moda entre os homens fidalgos. O calor devia ser torturante. –

Márcia Pinna Raspanti

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Senhora da elite no século XVIII, em trajes de “sair às ruas”.

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