Amancebamentos e famílias mestiças

Quando os marinheiros portugueses chegaram às costas do Brasil e pouco depois, teve início a colonização. Não havia bastantes mulheres europeias para constituir famílias. Uma das soluções foi a de juntar-se às índias tupis. Muitas delas se entregavam aos brancos por um pente ou um caco de espelho, pois os índios consideravam normal a poligamia. Os tupis, por exemplo, tinham o costume de oferecer uma mulher a todo o estranho que fosse viver entre eles.

O português João Ramalho  já tinha, aliás, dado o exemplo. Vivendo no planalto paulista, em Piratininga, onde chegara em 1512  como náufrago, ele casou-se com a filha do chefe tupi local, adaptando-se totalmente à vida indígena. Morando numa oca, ou rancho, com vários outros casais, Ramalho, como todos os outros homens importantes da tribo, tinha várias esposas que o serviam como dedicadas escravas.

Os homens que foram viver “amancebados com as índias” – quer dizer, amigados – adotaram muitos dos usos e costumes indígenas. Aprenderam a plantar milho, inhame, abóboras e feijão, a fazer uso do tabaco de fumo e a preparar mingau – chamado pelos índios de mingan – com mandioca doce. Dormiam em redes fiadas pelas companheiras e gostavam de tomar banho de rio. As crianças nascidas destes “amancebamentos” eram chamadas “curibocas”, na língua tupi. Para os brancos eles eram “mamelucos”.

Muitas dessas famílias mestiças viviam integradas normalmente às populações indígenas. Outras conservaram-se num meio termo entre a vida selvagem e a dos piratas e traficantes de pau-brasil que vinham fazer comércio na costa. Outras,  ainda, estabeleceram-se nas pequenas cidades como São Vicente e Porto Seguro. Aí levavam uma vida normal, trabalhando de dia e reunindo-se todas as noites para rezar o terço.

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Já que estamos falando de famílias é bom não esquecer alguns aspectos importantes da vida dos indígenas, antes da chegada dos europeus. O casamento era proibido entre filho e mãe, filho e irmã, pai e filha. Tios, diferentemente do que acontecia na Europa, podiam desposar sobrinhas. Os “casamentos” seguiam regras bem simples: desejando se unir, os homens se dirigiam a uma mulher e perguntavam sobre sua vontade de casar. Se a resposta fosse positiva, pedia-se permissão do pai ou parente mais próximo. A permissão sendo dada, os “noivos” consideravam-se “casados”. Não havia cerimônias, o marido podia expulsar a mulher e vice-versa, e se ficassem fartos do convívio consideravam a relação desfeita. Ambos podiam imediatamente procurar novos parceiros.

Embora houvesse esposos que, quando enfadados de suas mulheres, as presenteassem a outro homem, os índios tratavam muito bem suas companheiras: protegiam-nas, andavam juntos com elas dentro e fora da aldeia, se o inimigo aparecesse, lutavam, dando chance às mulheres de escapar. Quando os casais brigavam, podiam espancar-se mutuamente, sem interferência de terceiros. O adultério feminino causava grande horror. O homem enganado podia repudiar, expulsar e mesmo matar a mulher que tivesse cometido essa falta. Quando as mulheres engravidavam na relação extraconjugal, a criança era enterrada viva e a adúltera trucidada, ou abandonada na mão de rapazes. Havia uma grande liberdade sexual antes do casamento. As moças podiam manter relações com rapazes índios ou europeus antes do casamento sem que isso lhes provocasse desonra. Posteriormente, casavam-se sem nenhum constrangimento ou temor de castigos por parte do esposo.

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As relações entre pais e filhos eram de extremo zelo. Entre os tupinambás, o pai tinha uma participação importante no nascimento dos filhos: ele comprimia a barriga da esposa para apressar o nascimento e se o bebê fosse do sexo masculino, ele cortava o cordão umbilical com os próprios dentes ou uma faca afiada. As meninas, recebiam os primeiros cuidados da mãe. Ao nascer os pequenos eram banhados no rio, momento em que o pai achatava-lhes o nariz com o polegar. Depois de secas, as crianças eram pintadas com óleo de urucum e jenipapo preparando-se para o itamongavu: cerimônia de bom presságio cuja intenção era abrir os caminhos para futuros guerreiros e índias fortes e sadias.

Mas voltando aos europeus: poucos homens já casados e com filhos vieram do Reino para povoar as capitânias hereditárias. Os que trouxeram suas famílias, pertenciam sobretudo à nobreza portuguesa sendo encarregados de assuntos administrativos. Eles pouco ficavam por aqui e logo partiam para servir el-rei em outras terras na África ou nas Índias. Na Colônia ficavam mesmo aqueles que viviam com as índias e seus descendentes, os mamelucos.

Mas será que todos achavam boa a ideia de juntar homens brancos com índias? Muitos desejavam a vinda de mais gente para garantir a ocupação da terra. Em 1561, por exemplo, os oficiais da Câmara de São Paulo chegaram a escrever ao rei, pedindo que esse mandasse para cá até ladrões e degredados. Diziam eles que “há muitas mulheres da terra mestiças com quem casarão e povoarão a terra”. Mas havia outro grupo que torcia o nariz para a idaia de casamentos entre portugueses e índias: eram os padres jesuítas. Preocupados em combater os amancebamentos ou concubinatos, os padres escreviam pedindo  que mandassem para cá, até mulheres “órfãs  e prostitutas”. Os ricos casariam com as primeiras, e os pobres com as segundas.

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O tempo passava e o problema não se resolvia. Casar que era bom, nada! As capitanias foram crescendo lentamente e as vilas, embora eram pouco povoadas, iam aparecendo. Brancos e índias continuavam se amancebando até a chegada de um novo grupo: o dos africanos escravizados. As africanas, por sua vez, vieram engrossar as corriqueiras “uniões à moda da terra”, na Terra de Santa Cruz. – Mary del Priore (“História da Família no Brasil”).

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As primeiras famílias formadas na Colônia eram fruto das uniões com as índias (Imagem de Debret). 

5 Comentários

  1. Sabryna Tenório
  2. Sabryna Tenório
  3. Carla dos Anjos
  4. Gustavo

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