A imprensa e os conselhos para as “boas moças”

Depois da II Guerra Mundial, o país viveu um momento de ascensão da classe média. Ampliava-se, sobretudo para as populações urbanas, as possibilidades de acesso à informação, lazer e consumo. O carro se popularizou, assim como a piscina de clubes, o cinema, as excursões e viagens. Jovens podiam passar mais tempo juntos e a guarda dos pais, baixou. Filmes americanos seduziam brasileiros e não foram poucos que aprenderam a beijar vendo Humphrey Bogart e Lauren Bacall, casal de amantes na vida real. As revistas femininas tinham então um papel modelar no que dizia respeito à vida amorosa. Revistas como Querida, Vida Doméstica, Você, Jornal das Moças ou sessões femininas no O Cruzeiro tinham um tremendo impacto como formadores de opinião. Um exemplo do que publicavam?

 Teste do Bom Senso

Suponhamos que você venha a saber que seu marido a engana, mas tudo não passa de uma aventura banal, como há tantas na vida dos homens. Que faria você?

  1. 1.      Uma violenta cena de ciúme.
  2. 2.      Fingiria ignorar tudo e esmerar-se-ia no cuidado pessoal para atraí-lo?
  3. 3.      Deixaria a casa imediatamente?

 

Resposta:. A primeira resposta revela um temperamento incontrolado e com isso se arrisca a perder o marido, que após uma dessas pequenas infidelidades, volta mais carinhoso e com certo senso de remorso.

. A segunda resposta é a mais acertada. Com isso atrairia novamente seu marido e tudo se solucionaria mais inteligentemente.

. A terceira é a mais insensata.. Qual mulher inteligente que deixa o marido só porque sabe de uma infidelidade? O temperamento poligâmico do homem é uma verdade; portanto, é inútil combatê-lo. Trata-se de um fato biológico que para ele não tem importância.

 No meado do século XX, continuava-se a acreditar que ser mãe e dona de casa era o destino natural das mulheres, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. Quanto às formas de aproximação e compromisso, o flerte continuava como o primeiro passo de um namoro mais sério. Regras mínimas para os encontros eram bem conhecidas, segundo Carla Pinsky. O rapaz devia buscar a moça em casa e depois trazê-la de volta – mas se ela morasse sozinha, ele não poderia entrar-; o homem sempre pagava a conta; moças de família não abusavam de bebida alcoólica e de preferência, não bebiam; conversas ou piadas picantes eram consideradas impróprias; os avanços masculinos, abraços e beijos deviam ser firme e cordialmente evitados; a moça tinha que impor respeito.

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Não importavam os desejos ou à vontade de agir espontaneamente, o que contavam ainda eram as aparências e as regras, pois – segundo conselho das tais revistas, “mesmo se ele se divertir , não gostará que você fuja dos padrões, julgará você leviana e fará fofoca a seu respeito na roda de amigos”. Durante os chamados Anos Dourados, aquelas que permitissem liberdades “que jamais deveriam ser consentidas por alguém que se preze em sua dignidade”, acabavam sendo dispensadas e esquecidas, pois “o rapaz não se lembrará da moça a não ser pelas liberdades concedidas”.

O tempo de namoro seguia alguns padrões, não devendo – como no início do século – durar muito, levantando suspeitas sobre as verdadeiras intenções do rapaz, nem tão pouco que precipitasse decisões sérias e definitivas. Além disso, o namoro muito longo comprometia a reputação da moça que se tornava alvo de fofocas maldosas. A opinião do grupo era tão importante quanto a do namorado ou namorada. E a cobrança da sociedade para que os pombinhos se decidissem também contava pontos:

“O homem que não pensa em casar-se […] não merece outra coisa a não ser o respeito e a indiferença das mulheres, principalmente daquela que foi enganada em seus sentimentos mais puros […] se ela o despede não faz mais do que adiar um rompimento inevitável […] a atitude que toda a mulher deve tomar diante deste homem é de repúdio imediato e enérgico”, alertava o Jornal das Moças em seu número de 10 de fevereiro de 1955.

O noivado já era o compromisso formal com o matrimônio. Era um período de preparativos mais efetivos para a vida em comum. O ideal? Usar coroa, véu, grinalda e cauda quilométrica como Grace Kelly, cujo casamento circulou o mundo, graças à fotografia. Era, também, um período em que o casal se sentindo mais próximo do casamento, poderia tentar avançar nas intimidades. Cabia especialmente à jovem refrear as tentativas desesperadas do rapaz, conservando-se virgem para entrar de branco na igreja:

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“Evite a todo custo ficar com seu noivo […] a sós quando deixam-se levar pela onda dos instintos para lastimarem mais tarde, pela vida toda […] vocês cometem o crime de roubar ao casamento, sensações que lhe pertencem correndo, o risco de frustrar a vida matrimonial”, sublinhava O Cruzeiro, no mesmo ano. Era terminantemente proibido ter relações sexuais. Nada de “cair” ou “proceder mal” – eufemismos para o ato. Quer por confiar no noivo, quer por temer que ele fosse se “satisfazer nos braços de mercenárias”. O resultado era sempre ruim: “do romance tão auspiciosamente começado restarão pessoas desiludidas e infelizes”.

Nas mesmas páginas de revistas, liam-se as críticas às liberdades do cinema, do rock’n roll, dos bailes de carnaval, e das “danças que permitem que se abusem das moças inexperientes”. Valorizavam-se as fitas que ressaltassem bons costumes e personagens bem comportados circulando em lugares bem freqüentados. Em alta: “a juventude saudável que sabe se divertir – sem escandalizar – e à brotolândia que dá exemplo de amor aos estudos e à família”. No mundo adulto, perseguiam-se as transformações juvenis e a rebeldia. A preocupação era com “meninos e meninas que bebem cuba-libre, freqüentam o Snack Bar em Copacabana, usam blusa vermelha e blue jeans, mentem para os pais, cabulam as aulas, não pensam no futuro e não tem base moral para construir um lar”. Temiam-se as “lambretices e escapadas para a escuridão do Aterro” (do Flamengo). A tensão entre as mudanças desejadas pelos jovens e o velho modelo repressivo era tanta que uma leitora escreve a O Cruzeiro, desesperada:

“[…] quando uma mulher sorri para um homem é porque é apresentada. Quando o trata com secura é porque é de gelo. Quando consente que a beije, é leviana. Quando não permite carinhos, vai logo procurar outra. Quando lhe fala de `amor, pensa que quer ‘pegá-lo’. Quando evita o assunto, é `paraíba’ Quando sai com vários rapazes é porque não se dá valor. Quando fica em casa é porque ninguém a quer[…] Qual é o modo, elo amor de Deus, de satisfazê-lo?”.

Regras e advertências não foram suficientes para barrar algumas pioneiras que fugiam ao padrão estabelecido. Estas transgrediam fumando, lendo coisas proibidas, explorando sua sexualidade nos bancos dos carros, discordando dos pais e … abrindo mão da virgindade e por vezes do casamento, para viver um grande amor. A moda do “existencialismo” chega às praias tropicais. Lê-se Sartre e Boris Vian. O segundo sexo, de Simone de Beauvoir torna-se a bíblia das moças que se vangloriavam de “certo desgosto em viver”, aproveitando para compensá-la com prazeres. Prazeres que acabaram em filhos que criaram sozinhas.

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Algumas escaparam à pecha de levianas e mal faladas, de serem chamadas de “vassourinha” ou “maçaneta” mantendo as aparências de moça respeitável. Outras sofreram e foram abandonadas em consequência de comportamentos “indevidos ou ilícitos”.

Mantendo a velha regra, eram os homens que escolhiam e com certeza, preferiam as recatadas, capazes de se enquadrar nos padrões da “boa moral” e da “boa família”.  A moça de família manteve-se como modelo das garotas dos anos 50 e seus limites eram bem conhecidos, embora as atitudes condenáveis variassem das cidades grandes para as pequenas, nos diferentes grupos e camadas sociais. No censo de 1960, 60,5% da população dizia-se casada no civil e no religioso.

Em contrapartida, relações sexuais de homens com várias mulheres não só eram permitidas, como frequentemente desejadas. Tinha-se horror ao homem virgem: inexperiente. Os rapazes procuravam aventuras com as “galinhas ou biscates” onde desenvolviam todas as familiaridades proibidas com as “moças de família”. Sua virilidade era medida pelo número e desempenho nestas experiências.

Havia, também o fantasma do “aproveitador”, que abusaria da ingenuidade feminina, deixando, ao partir, o coração e pior, a honra em pedaços. Outro horror era o “mulherengo”, já comprometido mas insaciável nos seus apetites. A contrapartida da moça de família era o “bom rapaz”, “bom caráter, correto e respeitador” que jamais passaria dos limites da decência. Mas, se os ultrapassasse, estava perdoado: afinal, era “natureza do homem”, falando mais alto.

– Mary del Priore.

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 Humphrey Bogart e Lauren Bacall: beijos apaixonados.

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