Triste e desleixada, Leopoldina se torna alvo de maledicências

        Melancólica e sempre apaixonada pelo marido, a imperatriz Leopoldina parecia não ver as escapadas de D. Pedro, preferindo mirar em papagaios e cotias que insistia em abater. Na época, instalou um pátio de bichos na Ilha do Governador, “verdadeiro jardim inglês”, segundo Debret. A cavalo, corria os cerrados da Mandioca, da Carvoaria e do Córrego Seco. Em Santa Cruz, foi vista muitas vezes com um velho chapéu de palha na cabeça, acompanhada de um reles criado e de um negro descalço, que levava as espingardas. Só percorria, contudo, os caminhos indicados pelo marido. O imperador temia que ela o encontrasse acompanhado.

      A gulodice que lhe vinha da infância acentuou-se. O mestre cozinheiro François Pascal Bouyer engordava a patroa. As repetidas gestações cobravam seu preço. Acima do pescoço taurino, o rosto inchou. Ela trazia as bochechas avermelhadas e os cabelos maltratados. Jacques Arago, que muito a admirava, não conseguiu evitar o retrato da mulher desfeita:

“Sem exagero nenhum, ela estava vestida como uma cigana, até com

chinelas: uma espécie de camisola amarfanhada retinha as saias que caíam de

um lado e estavam presas por quatro ou cinco grossos alfinetes, e seus cabelos

em desordem atestavam a ausência de um cabeleireiro ou camarista, no

mínimo, há oito dias. Nenhum colar, nenhuma pedra nas orelhas ou anel nos

dedos; a camisola era muito velha e a saia rasgada em vários lugares.”

        O reverendo Walsh, médico e capelão inglês, pintou uma soberana esguedelhada, negligente no vestir e afirmava ouvir muitas censuras a esse respeito. Desenhada de costas por Charles Landseer, pintor inglês, Leopoldina parecia um homem ou um saco de batatas. A francesa Rose de Freycinet, que, pouco antes da independência, por duas vezes visitou o Brasil, descreveu-a num evento religioso:

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“D. Pedro é alto, com bonita figura, mas de maneiras pouco amáveis e um ar comum.

Veste casaca marrom e calças nankin – tecido de algodão grosso e amarelo –,

coisa um tanto ridícula para aparecer em público, às oito horas da noite, em grande

solenidade […]. Eu não acharia nas atitudes da Princesa Real a aparência nobre e

cerimoniosa da corte austríaca. Sente-se que, aqui, ela negligencia enormemente a sua

apresentação. Para esta festa de igreja todas vestem de seda e gaze. A nossa

pobre austríaca, porém, está em traje de amazona, roupa feita de pano ordinário

e com uma simples camiseta de pregas. Os seus cabelos em desordem são

presos por um pente de tartaruga.”

         Não que as brasileiras se exibissem em melhor estado. A própria milady Graham queixou-se que costumava encontrá-las, em casa, com os cabelos em papilotte e sem espartilhos. Mas tal desleixo não era admissível numa imperatriz. E, carente de bem-apessoada companhia, D. Pedro instava a amante a aparecer “bem-vestida e decente”, enviava-lhe touquinhas de renda e pérolas, pagava-lhe os vestidos feitos pelas madames Josefine ou Durocher, as mais famosas modistas do Primeiro Reinado. O imperador registrava, sem meios-termos: “Espero que isso faça para se apresentar na Glória enervando todas que lá aparecerem.” Um belíssimo colar de 14 ametistas, “obra digna de quem a dá e de quem a recebe”, segundo o bilhete, acompanhava o presente. O que não sabia, ela lhe perguntava candidamente:

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“Filho, manda-me dizer se de tarde é preciso que eu vá de manto, pois não sabe esta tua amiga como há de ir. Até logo.”

       Leopoldina engordava, cavalgava e seguia entretida só com as “belas filhas”. Escrevendo à família, fazia-lhes o retrato: Maria, uma verdadeira alemã, franca e alegre; Januária, mais portuguesa, menos alegre e mais preguiçosa; e Paula, que se parecia com Maria. Enquanto a imperatriz se recolhia, Titília se exibia. Pois, na segunda quinzena de setembro, seguiu-se o episódio de sua interdição no Teatrinho Constitucional de São Pedro, que substituíra o Teatro Imperial, incendiado em março. Seu palco, num pequeno auditório improvisado, atraía o distinto público com dramas e tragédias em português e óperas italianas. Ali, também, as pessoas se ajoelhavam e beijavam as mãos do imperador. Mas só entravam com convite e o teatro era frequentado pela boa sociedade que murmurava sobre a amásia do rei.

       Recusada sua entrada numa das representações, D. Pedro ficou furioso e ordenou que todos os teatros exclusivos fossem fechados por violarem um decreto imperial de 1823 que proibia as “sociedades secretas”. A companhia Apolo e suas Bambolinas, responsável pelo teatro, foi despejada do edifício: “Já se mandou fechar o teatro, apreender papéis e proceder a devassa […]. Hoje já não trabalha o teatro e estão todos de boca aberta”, escrevia o “amante fiel e constante, o Demonão”. O imperador era zeloso! E Domitila ganhou apelido: “A Nova Castro”, em referência à célebre Inês de Castro, mas também título de uma tragédia da moda. Embriagada de poder, a paulista saboreava as ordens do amante como uma revanche pessoal. Afinal, a glória sempre foi um remédio para as feridas do amor-próprio.

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        Já saberia Leopoldina de alguma coisa? O ministro dos Negócios da Áustria no Brasil, barão de Mareschal, comentava em correspondência:

“Parece-me impossível que a Senhora Arquiduquesa não veja o que se passa

absolutamente sob seus olhos; mas sua Alteza Real tem a prudência de jamais

mencionar quem quer que seja e de parecer não perceber.”

  • Mary del Priore. “A Carne e o Sangue”, Editora Rocco, 2012. 

“Dª Leopoldina de Habsburgo, Arquiduquesa da Áustria e Imperatriz do Brasil”,

de Nicolas-Antoine Taunay.

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  1. Juri Peixoto
  2. Clemenceau Souza Leite
  3. Laís
  4. Cleuzita

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