Entre os anos 60 e 70 eclodiu o fruto tão lentamente amadurecido: a chamada “revolução sexual”. A liberação significou a busca de realização no plano pessoal e a consciência de que “problemas sexuais” não teriam lugar num mundo “normal”. Ao defender a ideia do “direito ao prazer”, nossos pais fabricaram um tipo de sofrimento: o que nascia da ausência do prazer. Ao mesmo tempo, tinha inicio a democratização da beleza – graças à multiplicação de produtos, academias de body building, consultórios de cirurgia plástica etc -, fato que tanto levou à busca do bem estar quanto às tensões e frustrações por não encontrá-lo. Junto, mas, lentamente, forjava-se a intolerância à doença, à fragilização dos corpos e ao envelhecimento. Sexualidade em dia e saúde davam-se as mãos. O “direito ao prazer” tornou-se norma. E norma cada vez mais interiorizada. Apenas conformando-se a essa regra seria possível sentir-se feliz, alegre e saudável.
Nesta história, um novo ato abriu-se com o desembarque da pílula anticoncepcional ao Brasil. Livres da sífilis e, ainda, longe da AIDS, os jovens podiam experimentar de tudo. O rock and roll feito sobre e para adolescentes, introduzia a agenda dos tempos: férias, escola, carros, velocidade e o mais importante, amor! A batida pesada, a sonoridade e as letras indicavam a rebeldia frente aos valores e a autoridade do mundo adulto. Um desejo sem limite de experimentar a vida hippie e os cabelos compridos se estabelecia entre nós. As músicas de Bob Dylan, Joan Baez exportavam, mundo afora, a idéia de paz, sexo livre e drogas como libertação da mente. Os países protestantes, – EUA, Inglaterra e Holanda – consolidavam uma desenvoltura erótica, antes desconhecida. Tudo isto junto, não causou exatamente um milagre, mas somado a outras transformações econômicas e políticas, ajudou a empurrar barreiras.
Nas capitais e nos meios estudantis, os jovens escapavam às malhas apertadas das redes familiares. Encontros multiplicavam-se em torno de festas, festivais de música, atividades esportivas, escolas e universidades, cinemas. Os palavrões, antes proibidos, invadiram a cena, inclusive dos teatros. E o alastramento de boates e clubes noturnos deixavam moças e rapazes cada vez mais soltos. Saber dançar tornou-se o passaporte para o amor. “Pode vir quente que eu estou fervendo”, na voz do “Tremendão” Erasmo Carlos e “Gostosa”, na das Frenéticas (“sei que eu sou bonita e gostosa…), representavam tentativas de adaptação a um mundo novo e esforçadamente rebelde. Nelson Rodrigues, conhecido jornalista e escritor reagia:
“Nunca se viu uma época mais pornográfica do que a nossa. Aconteceu uma com um amigo meu que considero simbólica. O meu amigo, já quarentão, apaixonou-se por uma menina de 21. Menina “prá frente”, claro. E o meu amigo ia largar a família…Até que um dia vai encontrar-se com a bem-amada; ela não lhe disse nem “oba”. Sem que, nem para que, recebeu-o com uma saraivada de palavrões jamais concebidos. Meu amigo rebentou em soluços”. E concluía: “Eu me lembro da geração anterior. Havia uma cerimônia solene entre o brasileiro e o palavrão, havia como que uma solenidade recíproca. O palavrão tinha sua hora certa e dramática. Vejo hoje, meninas, senhoras, de boca suja e nas melhores famílias. Diria que o palavrão se instalou entre os usos mais amenos e familiares da cidade”.
Por influência dos meios de comunicação e, sobretudo, da televisão, também o vocabulário passou a evitar eufemismos. Embora nos anos 60 ainda se utilizasse uma linguagem neutra e distante para falar de sexo – mencionavam-se, entre dentes, “relações” e “genitais” -, devagarzinho, se caminhou para dizer coito, orgasmo e companhia. Os adolescentes ainda eram “poupados” pelos adultos, de informações mais diretas. As relações no cotidiano dos casais começaram a mudar.
Carícias se generalizavam e o beijo mais profundo – o beijo de língua ou French Kiss – antes escandaloso e mesmo considerado um atentado ao pudor passava a ser sinônimo de paixão. Na cama, novidades. A sexualidade bucal, graças aos avanços da higiene íntima, se estendeu a outras partes do corpo. As preliminares ficaram mais longas. A limpeza do corpo e o hedonismo alimentavam carinhos antes inexistentes. Todo o corpo-a-corpo amoroso tornava-se possível. No quarto, a maior parte das pessoas ficava nua. Mas no escuro. Amar ainda não era se abandonar. É bom não esquecer que os adultos dos anos 60 foram educados por pais extremamente conservadores.
Na moda, a minissaia despia as coxas. Lia-se William Reich, segundo quem o nazismo e o stalinismo teriam nascido da falta de orgasmos. A ideia de que os casais, além de amar, deviam ser sexualmente equilibrados começava a ser discutida por alguns “prá frente”. Era o início do direito ao prazer para todos, sem que as mulheres fossem penalizadas ao manifestar seu interesse por alguém.
– Mary del Priore.
Minissaia: a moda companhando as mudanças da sociedade.