Os filhos do casal imperial, D. Pedro II e D. Teresa Cristina, chegavam e partiam. O primeiro foi recebido pelos braços do pai orgulhoso, logo que nasceu: “um príncipe de Deus”, exclamou D. Pedro! Era o 23 de fevereiro de 1845. Chamaram-no Afonso Pedro. Não recebeu o nome de Pedro, dizem biógrafos, pois se temia a tradição da casa de Bragança segundo os quais primogênitos morriam pequeninos. A criança foi conduzida a pia batismal com entusiasmo, pois afastava qualquer dúvida sobre a sucessão do imperador. D. Pedro II deixava de ser o “órfão da pátria”, como era conhecido, para ser o chefe da casa brasileira, sadia e fecunda.
Depois do nascimento do primeiro filho, multiplicavam-se os “estimo que tenhas passado bem, assim como nosso Afonsinho”, da parte dele. E “nosso pequeno Afonsinho está bem alegre e não me canso de beijá-lo por ti”, dela. À medida que o tempo passava, ela, “rogo-te que me escrevas frequentemente”. E ele, “um abraço do teu esquecido Pedro”.
A 29 de julho de 1846, foi a vez da Princesa Isabel, cujo nome se deveu a avó materna e às duas rainhas santas, a da Hungria, sua patrona, e a de Portugal. Teve belo batizado com água vinda do rio Jordão, na Palestina. A 11 de junho de 1847, era o fim dos dias felizes. Morreu o príncipe imperial D. Afonso Pedro de convulsões. Um mês depois, nascia a princesa Leopoldina, nome da primeira imperatriz. A seguir, chegou o filho desejado: D. Pedro Afonso, a 19 de julho de 1848. Mas, de repente, a 9 de janeiro de 1850, D. Pedro Afonso, também, na flor da idade, “terminou sua preciosa existência na Imperial fazenda de Santa Cruz”.
A morte do último futuro herdeiro, foi considerada pela imprensa da época como “uma calamidade”! O povo apinhado nas ruas viu em silêncio passar o pequeno caixão. O Imperador se voltou para as duas filhas, Isabel e Leopoldina. Era pai devotadíssimo. Fazia pessoalmente leituras para as meninas, dava-lhes lições de matemática e latim, explicava-lhes física. Escolhia a dedo os professores de inglês, alemão, mineralogia, geologia e história.
Sofrimento e tristeza marcaram a mãe e rainha. O luto era também uma derrota. Não procriaria mais. Fechou-se numa dor sombria e silenciosa. Estes sentimentos secretos estenderam entre os esposos um véu que se espessou dia a dia. Permaneceu corajosamente no círculo dos seus deveres, na esperança que este procedimento lhe restituísse seu “querido Pedro”. Tal, porém, não aconteceu. Concentrou-se, então, nas filhas. Participava com elas dos ritos da Semana Santa. Iam juntas ver as máscaras no carnaval.
Já há alguns anos, a família imperial e os diplomatas estrangeiros se habituaram a subir a serra no verão para fugir do calor e das febres que assolavam o Rio de Janeiro. Segundo biógrafos, em Petrópolis, o imperador parecia um cidadão comum. Vestido de casaca preta, chapéu alto, insígnia do Tosão de Ouro na lapela, passeava na cidade, colhia flores no jardim e ia à exposição no Palácio de Cristal. Apreciava tomar duchas, moda que se instalava na capital. Registrava num diário suas atividades: acordar as seis; estudar grego ou hebraico até sete; passear até oito; de novo, grego ou hebraico até às dez. Almoço. Do meio dia as quatro, estudos ou exame de negócios; jantar ás quatro, passeio até cinco e meia, escrita do diário das nove às onze quando ia dormir.
Raramente o casal oferecia recepções ou bailes e tampouco, os frequentava. O imperador não dançava e optou por um excesso de informalidade. Gustave Aymard, romancista francês de passagem no Rio de Janeiro, conta que um dia entrou pelo palácio sem que ninguém o incomodasse. Perguntou por D. Pedro. “Em frente, na segunda porta à esquerda”, respondeu um camarista.
Nos primeiros sábados do mês, o imperador recebia o corpo diplomático. Nos sábados seguintes, havia audiência pública de cinco às sete horas da tarde. Qualquer um podia entrar, até “o mais humilde negro em chinelos ou pés descalços”. Contou um visitante. Outro ainda se recordava que certa feita, uma senhora negra deixou cair papéis ao chão. D. Pedro abaixou-se para pegá-los. Em geral, ele anotava as queixas e as repassava aos ministros. O palácio de São Cristóvão era “mobiliado pobremente e malconservado”, segundo vários observadores. Tal despojamento era mal visto pelos estrangeiros, mesmo pelos republicanos, que passavam pelo Brasil. Sem o prestígio das cerimônias e das práticas usadas nas Cortes europeias, a brasileira parecia “um galinheiro”, segundo o diplomata Vicente Quesada.
Em 7 de setembro de 1872, o império comemorou o cinquentenário de sua Independência. Houve festas em todas as províncias. Durante quase duas décadas, D. Pedro II esteve à frente de um país sem grandes tribulações. Quatro anos antes do jubileu, porém, a paz política tinha começado a se despedir do Imperador. A demissão de um gabinete liberal e a nomeação do barão de Caxias, um ferrenho conservador para o comando do exército brasileiro na Guerra do Paraguai, deu início a uma sucessão de acontecimentos que só cessaria com sua destituição em 1889. Afetado pelo diabetes e a insuficiência cardíaca, o imperador alheava-se do mundo. A volta dos liberais, em 1878, não acalmou a nação. Como bem resume Eduardo Bueno, a “questão religiosa”, as mortes sucessivas de Caxias, Osório, Rio Branco, Nabuco, Alencar e Zacarias, o clamor abolicionista e a fermentação republicana partiram o edifício imperial de alto a baixo. “Só o imperador não dava por isso, embebedido em seus estudos de sânscrito, árabe, persa, hebraico e tupi”, cravou Capistrano de Abreu.
E no dia 16 de novembro de um verão chuvoso, D. Pedro II receberia de um comandante da cavalaria, a comunicação de que fora deposto e deveria deixar o país “no mais breve prazo possível”.
- Texto de Mary del Priore. “Histórias da Gente Brasileira: Império (vol.2)”, Editora LeYa, 2016.
Casal imperial, jardins do palácio de Petrópolis, às vésperas da República.
Como sempre, Mary dá um show no relato da nossa História. Ela escreve de forma que prende o leitor, mesmo o desinteressado pela matéria – o que não é o meu caso. Amo História, especialmente a do segundo Império.