Quando viver é um martírio…

“O Brasil é o inferno dos negros, purgatório dos brancos e o paraíso dos mulatos e mulatas”.

A frase acima, citada pelo jesuíta João Antonio Andreoni (mais conhecido como André João Antonil), em “Cultura e Opulência do Brasil”, em 1711, define de maneira simples e direta as relações e condições da população colonial. A vida na Colônia não era fácil, nem mesmo para os homens livres. A situação piorava muito para os negros que sofriam com o trabalho duro, a escravidão e o preconceito. Na insalubridade das Minas ou na rotina dos engenhos de açúcar, os problemas ligados à morbidade e à mortalidade eram graves.

Laura de Mello e Souza nos ajuda a entender melhor as palavras do jesuíta:

“Inferno não é apenas o continente africano, imerso no pecado; inferno é o lugar do qual não se sai nunca, nem com a morte: a fogueira infernal arde eternamente”.

E não havia saída para o negro, existiam poucas chances de mudar as condições precárias de vida a que era submetido. A alforria e a fuga não eliminavam a miséria e a ausência de prestígio social que lhe eram impostas.

Mas, ao mesmo tempo em que era o inferno dos negros, o Brasil Colonial era o paraíso dos mulatos. Como encaixar os mulatos nesta estrutura social idealizada, forjada em forte hierarquia? Eles representariam, neste sentido, uma ruptura, um meio termo, entre brancos e negros, conjugando as características dos dois.

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Antonil considerava os mulatos elementos perigosos: “com aquela parte de sangue de brancos que têm nas veias, e, talvez, dos próprios senhores, os enfeitiçam de tal maneira, que alguns tudo lhes sofrem, tudo lhes perdoam”. E mais adiante: ” Forrar mulatas desinquietas é perdição manifesta (…) e, depois de forras, continuam a ser ruína de muitos”.

Por que o mulato era tão mal visto pelos religiosos? Porque ele ou ela teria a inteligência e a esperteza do branco, aliada a uma conduta moral diferente do europeu (portanto, considerada inferior). Além disso, a própria existência do mulato era a prova da mistura de raças e de um comportamento reprovado pela Igreja.

Já para o branco, a Colônia não era nem céu, nem inferno, mas um lugar para purgar os pecados, vislumbrando a possibilidade do paraíso. A primeira comparação era entre degredo e purgatório: o português era mandado para a América para pagar por algum crime. Porém, mesmo quem não vinha pagar por uma falta cometida encarava a  Colônia como um lugar provisório, onde se poderia fazer fortuna de maneira fácil e depois retornar a  Portugal em uma situação bem mais confortável. Os pecados cometidos nestas terras também poderiam ser esquecidos, deixados para trás.

Miséria, preguiça, epidemias, sujeira, clima desfavorável, escassez, além de uma população de má aparência, moral duvidosa e contaminada pela miscigenação. Na visão preconceituosa do europeu, a Colônia era um lugar cheio de provações, onde a existência e a sobrevivência eram árduas. O branco, contudo, tinha a expectativa de mudar a sua condição. O retorno à Metrópole era a visão do paraíso que animava muitos colonos. Outros sonhavam em enriquecer e entrar para a elite colonial, permanecendo aqui, mas bem distante da massa empobrecida e mestiça.

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A mobilidade social, apesar de limitada, era uma perspectiva, nem sempre concreta, mas que representava uma esperança para os brancos.

– Márcia Pinna Raspanti.

moendapequena

A rotina difícil dos engenhos de açúcar, imagem de Debret.

4 Comentários

  1. Ivan
  2. veronica

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