As famílias pós-divórcio

Para o psicanalista Sérvulo Augusto Figueira, o estudo das chamadas “famílias pós-divórcio” levou a uma constatação curiosa: “a de que a modernização das estruturas familiares no Brasil tem um pé fortemente calcado no passado”, isto é, após a desorganização provocada na família tradicional, com a entrada das mulheres no mercado de trabalho, a pílula anticoncepcional e toda a sorte de transgressões dos anos 1960 e 1970, o novo tipo de família que surgiu –  “em que se juntam filhos de casamentos anteriores, em que ex-cônjuges se dão bem” – buscou se estruturar de maneira semelhante às famílias de antigamente:

“A antiga família patriarcal, com muitos filhos legítimos e ilegítimos, irmãos, sobrinhos, primos, tios e agregados, voltou a emergir na sociedade, só que com uma roupagem adaptada. A opção pela convivência com ex-membros da família é uma saída social inteligente e criativa, que vai de encontro dos tempos do Brasil Colônia, com suas famílias extensas. Elas são hoje um exemplo do Brasil arcaico e do moderno se completando”.

Os álbuns de família ganharam atores. Surgiu a “família mosaico”, que junta vários pedacinhos: padrastos, madrastas, meios-irmãos e filhos de produção independente. Filhos homossexuais saíram do armário: Pai, mãe, sou gay… Para homens, a aceitação familiar foi mais fácil; as mulheres seguiram mais discretas sobre sua condição. Em 1995, a então deputada Marta Suplicy lançava no Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1.151, que permitiria “parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo” – embora, ainda que várias tentativas de colocá-lo em pauta tenham sido efetuadas até o momento, o projeto nunca tenha chegado a ser votado em plenário.

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Mesmo sem marido ou o pai dos filhos sob o mesmo teto, as mulheres também tiveram de lidar com as transformações da paternidade. Três fenômenos contemporâneos deram conta de novos conceitos que passaram a caracterizá-la: modificação nas formas de casamento e nos tipos de família; mudanças no Direito de família e dos filhos; e os rápidos progressos das ciências biomédicas.

De “patriarcal”, a família tornou-se conjugal, limitada ao pai, à mãe e aos filhos. Se no início o pai detinha todos os poderes paternais e conjugais, pico de uma pirâmide na quais filhos e mães constituíam a base, as posições mudaram. Hoje, no alto do triângulo encontram-se os filhos. Numa das laterais, encontram-se os pais, e, na outra, o mediador entre pais e filhos: o Estado. Os “direitos” paternos foram substituídos por “deveres”. As mulheres não estão em uma sociedade sem pais, mas sim em uma que reorganiza as funções paternas. Em 2012, 6% dos casais divorciados praticaram a “guarda compartilhada”. Ela elimina a queixa de muitas mulheres de que a condição de mãe é exasperante e exigente demais.

O desfazimento da imagem autoritária do pai teve início a partir dos anos 1970 ou 1980. A laicização das classes mais altas; a baixa demográfica, que reduziu o tamanho das famílias; a modificação profunda das formas de casamento ou de trabalho na cidade e no campo; os triunfos de técnicas de biologia (inseminação artificial e outras maneiras de concepção); a reivindicação de liberdades novas na família; o intervencionismo do Estado, que, por meio de leis, destituiu o poder do velho e feroz patriarca – tudo isso colaborou para o fim de modelos tradicionais, embora muito do pater familiae subsista, ao lado da figura do pai divorciado, homossexual, viúvo, migrante, adotivo, ausente, enfim, as novas realidades para uma nova ordem social. A identidade dos pais passou a ser uma conquista a ser feita todos os dias, e se assiste à multiplicidade de papéis de pai entre vários homens: aquele selado pelo casamento, o biológico e o afetivo. O desafio para ex-companheiras e companheiras é entender, aceitar e adotar esse novo comportamento.

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– Mary del Priore.

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Semelhanças e diferenças com as famílias do passado.

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