Dando prosseguimento à discussão sobre o movimento “Escola Sem Partido”, publicamos a nota emitida pela ANPUH (Associação Nacional dos Historiadores):
Recentemente, foi aprovado, na Câmara Municipal de Campo Grande/MS, o projeto de lei nº 8.242/16, que determina a afixação de cartazes nas salas de aula das instituições de educação básica pertencentes ao Sistema Municipal de Ensino e dá outras providências. O projeto faz parte de uma parceria com o Movimento Nacional Escola Sem Partido que tem como objetivo controlar, ou seja “manter o funcionamento das escolas como centros de produção e difusão de conhecimento, tendo em vista que alunos de escolas particulares e públicas estão sendo vítimas de assédio de grupos e correntes políticas e ideológicas com pretensões predominantes. ” O art. 2º do projeto de Lei, prescreve que seja interditado a Poder Público “lecionar acerca de temas sobre orientação sexual dos alunos e nem permitir qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com sua específica identidade biológica de sexo”. Além disso, segundo determina o projeto, o professor “não poderá fazer propagandas político-partidárias em sala de aula nem estimular seus alunos a participar de manifestações”. A justificativa para essa proibição parte do pressuposto de que cabe aos pais ensinar seus filhos uma educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções, ou seja, cabe aos pais a “educação sexual e religiosa” e aos agentes políticos a orientação sobre política partidária.
O projeto investe contra o que define como “ideologia de gênero”, concebe o professor como “agenciador ideológico e partidário” e os alunos como “audiência cativa e vítimas passivas de agentes ideológicos”.
O “Movimento Escola sem Partido” estimula uma teoria da conspiração segundo a qual as escolas estão sendo dominadas por grupos da “esquerda” que ali desenvolvem um projeto de doutrinação ideológica contra os princípios morais da família e da ordem social e política vigente. A partir desses argumentos falaciosos, os defensores do projeto fomentam um clima de suspeição sobre o ato de ensinar e desqualificam a escola como lugar de formação da cidadania, promoção de valores democráticos e respeito aos direitos humanos.
A estratégia desse “Movimento” é transformar em lei ordinária um programa de intolerância. Com esse intuito, criaram uma minuta do Projeto de Lei – Programa Escola sem Partido, que serve de base para qualquer parlamentar que se disponha a apresentá-lo nas casas legislativas em qualquer instância da federação. Já existem vários PLs em tramitação no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas estaduais, e nas Câmaras Municipais.
A recente aprovação do projeto na câmara municipal de Campo Grande revela novas estratégias utilizadas pelos parlamentares integrantes do “Movimento” para acelerar o processo de aprovação do Projeto e, dessa forma, impedir que a sociedade tenha conhecimento do PL e, portanto, que participe do debate: Esse PL foi apresentado no dia 28/03/2016, no dia 29/03 foi enviado para receber o parecer da Procuradoria Municipal, que deu seu parecer favorável à “ tramitação” no dia 31/03. No mesmo dia, já foi votado em regime de urgência e aprovado. Ao que consta, não houve pareceres das Comissões de Legislação, Justiça e Redação Final e da Comissão de Educação e Desporto. Apenas dois vereadores foram contrários e questionaram a votação do PL em regime de urgência.
Diante desse episódio, cabe indagar: Por que excluir deliberadamente a sociedade desse debate? E, neste caso, qual a legitimidade de um projeto aprovado sem discussão em plenário?
A educação brasileira, especialmente a pública, tem passado por amplas mudanças e a legislação educacional é avançada e delimita, com clareza, a atuação docente.
A ANPUH repudia toda e qualquer tentativa de desrespeito à Constituição que define o Estado brasileiro como “Democrático, Republicano e Laico”. O “Projeto de Lei Escola sem Partido” é, portanto, inconstitucional.
A aprovação do PL em algumas cidades do país, como foi mencionado anteriormente, tem ocorrido a partir da pressão de membros das câmaras municipais que, por interesses políticos partidários – revestidos de princípios morais e religiosos. Essa aprovação representa um atentado contra a legislação democrática que rege a escola pública – e laica – no Brasil. Cabe, portanto, aos cidadãos brasileiros, denunciar as estratégias escusas que vem sendo utilizadas por vereadores que se valem do expediente de “regime de urgência”; a partir dessa artimanha, os “interessados” impedem o debate sobre a matéria e garantem a aprovação rápida do “Projeto de Lei Escola sem Partido”, como ocorreu recentemente.
Diante desse cenário de total desrespeito em relação às regras constitucionais, a Direção da ANPUH faz um apelo para os cidadãos brasileiros que, em nome da preservação da democracia, estejam atentos à ameaça que paira sobre a educação pública no país. Cabe a todos nós, educadores principalmente, pressionar os parlamentares de seus municípios e estados no sentido de impedir a aprovação desse PL. Ele representa uma violação ao direito das crianças e jovens de terem acesso a uma educação democrática como ocorre em países que optaram por regimes republicanos.
Nota da ANPUH: Não ao Projeto de Lei “Escola Sem Partido”!
Excelentes argumentações, Celina e Olavo! Concordo com vocês.
SIM ao projeto Escola sem Partido!
A escola deve se concentrar no conteúdo. E ensinar Cidadania, o que significa acima de tudo respeitar o próximo, seja qual for sua condição. Respeitar o que é Público, entendo o público como algo que pertence a todos, e respeitar o Meio Ambiente. Chega da dogmatização nas escolas!
O problema é que o projeto abre uma brecha para que o professor fique absolutamente cerceado. Afinal, não existe professor neutro (ou qualquer pessoa). Os pais devem estar atentos à educação dos filhos e intervir quando houver excessos, apenas nos casos extremos. O pluralismo é o melhor caminho. Vou citar meu próprio exemplo: estudei a vida toda em escola religiosa, venho de família religiosa, mas nunca fui religiosa. Essa história de doutrinação me parece um tanto exagerada.
Não acho exagerada. Na minha formação foi intensa, mas sempre tive senso crítico para separar o que considerava importante. Agora nem todos têm. Vejo alunos repetindo frases clichês sem se darem conta de seu significado. Aulas de Cidadania sim, para formar bons cidadãos que respeitem as diferenças, as minorias, que saibam conviver harmoniosamente com todos. No mais focar no conteúdo porque estamos formando futuros profissionais e o mercado é cruel. Eles passarão por entrevistas, concursos, peneiras. Precisam de muito preparo para sobreviver em um mundo cada vez mais competitivo.
Claro que é preciso focar no conteúdo e oferecer uma formação sólida. A questão não é essa. O problema é que com uma lei desse tipo, o professor pode ser acusado de estar doutrinando o aluno em qualquer situação. Ao ensinar cidadania, como você, citou é respeito às minorias, por exemplo. O indivíduo vai receber inúmeras influências antes de formar seu senso crítico, assim deve ser. Amordaçar os professores não vai melhorar o nível de ensino.
Não há mordaça. O que precisas perceber, Márcia, é que o professor não pode apresentar o conteúdo da matéria sob uma visão extremamente unilateral dos fatos.
Você não acha que ele age assim?
Oi, Olavo. Acho impossível generalizar. Há professores que são mais incisivos em suas posições, outros não. Você parte de um pressuposto errado de que todos os professores têm as mesmas ideias, as mesmas crenças e se posicionam da mesma forma na sala de aula. Isso é uma distorção dos fatos, não creio que alguém realmente acredite nisso. Ao longo da nossa vida, temos dezenas de professores que nos influenciam de diferentes formas – o que impede que sejamos “doutrinados” é exatamente a pluralidade. Além do que, o professor não é um robô, é um ser humano, não há como ele repassar automaticamente um conteúdo de forma “neutra”. Existe essa suposta “neutralidade”? Não. Os estudantes questionam o professor e têm curiosidade em conhecer suas opiniões. O que ele deve fazer? Responder que está proibido de passar “ideologias”?? Lembre-se também que ideologia não é só de esquerda, ou seja, qualquer colocação do professor em sala de aula seria passível de reclamações e censura dos pais. Os valores devem ser dados pela família e não pela escola. A escola ensina o conteúdo e também o questionamento, que é a base do conhecimento científico. Educar filhos em uma redoma, impedindo que eles tenham contato com pensamentos e valores diferentes daqueles ensinados em casa, pode ter consequências desastrosas. Os pais devem acompanhar os estudos dos filhos e conversar com eles sobre o que aprendem, mostrar seus pontos de vista, explicar por que discordam do professor em determinadas ocasiões. Isso é educação de qualidade.
Este site, por exemplo, que se diz imparcial: este é o terceiro artigo que vejo sobre o Escola Sem Partido e, em todos antes deste também, só consegui uma versão do fato.
Oi, Olavo. Esse blog nunca afirmou ser imparcial! Não existe imparcialidade, existe honestidade em assumir uma posição. Este é um espaço democrático, o que é diferente: publicamos opiniões diversas, trocamos ideias. Sempre deixamos claro que somos contra o projeto. Os motivos estão resumidos na resposta anterior. Agora, se você se refere ao site da Anpuh, pelo que acompanhei, a entidade também sempre se posicionou contra o projeto. Obrigada.