Por Natania Nogueira.
No dia em que comemoramos a Consciência Negra, é mais do que apropriado falarmos das mulheres negras. Especialmente daquelas que foram pioneiras em uma mídia/arte que fez ou faz parte da vida de milhões (ou bilhões) de pessoas em todo o mundo: as Histórias em Quadrinhos (HQs).
Nós tivemos, e temos, mulheres negras que conseguiram conquistar espaço e respeito nessa indústria, que tanto influenciou, e ainda influencia, crianças, jovens e adultos. Ilustradoras, coloristas ou roteiristas – não é exagero dizer que as mulheres negras enfrentam duas vezes mais preconceitos e barreiras para conquistar seu espaço no mercado.
A primeira delas que destacamos é a estadunidense Jackie Ormes que, em 1937, no Pittsburgh Courier, publicou suas primeiras tiras de quadrinhos, Torchy Brown in “Dixie Harlem. A tira de humor contava a história de uma jovem negra do Mississipi que busca por novas oportunidades nas metrópoles do norte. E foi apenas o início de uma carreira de sucesso, de fazer inveja a muitos homens, independetente da sua etnia. Ormes, em suas HQs, deu preferência às personagens femininas negras, tratando com humor ou de forma séria temas que são polêmicos até os dias atuais.
No Brasil, tivemos uma pioneira, que fez sucesso em um gênero bem diferente: o terror. Maria Aparecida Godoy escreveu roteiros para HQs de terror nas décadas de 1960 e 1970, para as revistas Calafrio e Mestres do Terror. Explorando “crendices populares” do interior de São Paulo, Cida Godoy fez uma espécie de resgate do folclore brasileiro, com seus roteiros originais e regionalistas. Uma mulher negra, roteirizando HQs de terror, durante um dos períodos mais tensos da nossa História, a Ditadura Militar. Nossa Cida Godoy não deixa de ser tão notável quanto Jackie Ormes.
Os quadrinhos são, também, um espaço para mulheres negras contarem sua história e quebrarem tabus. Originária da Costa do Marfim, Marguerite Abouet é uma das quadrinistas negras que têm se destacado na atualidade. Com sua Aya de Yopougon, uma HQ autobiográfioca, ela nos apresenta uma realidade africana muito diferente daquela que temos nos livros didáticos de História e mesmo em muitas HQs publicadas ao longo do século XX. Uma África urbana, com mulheres fortes que enfrentam desafios do dia a dia. Heroínas comuns, em situações comuns, que compartilham esperanças e temores.
Essas mulheres, suas trajetórias e sua produção, não estão nos livros de História e, muito menos, nas escolas. Das pioneiras às jovens artistas e roteiristas, elas são para muitos, personagens anônimas. Recentemente, na revista Risca!, uma iniciativa do Lady’s Comics, cujo tema geral foi “Memória e Política das Mulheres nos Quadrinhos”, dedicou-se um artigo justamente a essas mulheres.
Esse resgate da memória da mulher negra é especialmente significativo. Não se trata apenas de a contar a história dessas mulheres mas, também, de se construir uma identidade para a mulher negra – e para as mulheres de forma geral – dentro de um nicho do mercado de trabalho em que ela ainda está em número reduzido.
Como toda memória, a da mulher negra está sendo construída. No dia da Consciência Negra vamos falar das mulheres negras que estão se destacando em várias profissões. Elas são pilotos de avião, engenheiras, médicas, motoristas de ônibus, frentistas de posto de gasolina e, também, fazem quadrinhos.
Maria Aparecida Godoy – imagem cedida pelo Lady’s Comics.